Literatura
Rosa de Lima
10/04/2017 às  19:19

ROSA DE LIMA comenta sobre "OS Romanov 1613-1918"

Livro denso, 900 páginas, bem documentado e pesquisado em inúmeras fontes, brilhante


   Em 17 de julho de 1998, no 80º aniversário do 'massacre de Iekaterinburgo', palvras do então presidente da Rússia, Bóris Iéltsin, quando um grupo de 'bolcheviques', em 1918, por ordem de Lênin determinou a execução do 'tzar' (imperador) Nicolau II, de sua esposa Alexandra Fiódorovna (Alix de Hesse), dos seus cinco filhos, do médico da familia e dos criados, Iéltsin compareceu ao funeral do ex-imperador e de sua familia na catedral de Pedro e Paulo, em São Petersburgo, junto com 30 descendentes dos Románov. "É um dia histórico para a Rússia", declarou Iéltsin.

  
    Esse episódio - uma espécie de epílogo - narrado pelo historiador Simon Sebag Montefiore em seu livro "Os Románov - 1613/1918" (Editora Companhia das Letras, 906 páginas, dez 2016, R$98,00) é um dos milhares de fatos enolvendo a familia Románov. 

   Hoje, o presidente Vladimir Putin, embora não sendo um Románov, segue com a postura 'tzarista' e restaurou o poder da Rússia, no modelo Imperial Románov, pós era Gorbachov e Iéltsin, a partir da Guerra da Tchechênia, o que garantiu que a Federação Russa se mantivesse coesa, a guerra da Georgia, com hegemonia sobre o Cáucaso, a anexação da Criméia e a intervenção na Síria, aspirações russas desde Catarina, a Grande.

   O livro aborda, em sua essência, a dinastia Románov que governou a Rússia entre 1613-1918 e é considerada a mais bem sucedida dinastia dos tempos modernos, até que se encerrou com a Revolução Bolchevique de 1917, depois de sucessivos erros do 'tzar' (imperador) Nicolau II envolvido até o pescoço na I Guerra Mundial contra o kaiser alemão Guilherme II, diante de fracassos e vitórias que desintegraram seus exércitos, e fez com que, na mudança da Rússia rural para industrailizada citadina, perdesse o poder interno para forças socialistas.

   Um processo demorado que não nasceu de uma noite para o dia e vinha se arrastando há anos, numa Rússia rural onde ainda persistiam modelos medievais, com ponto alto da revolta interna, em 1894, quando terrositas sob o comando de Ignáti Grienvítski matam o tzar Alexandre III. O terror foi uma arma de conduta durante um século na Rússia e ainda é, até os dias atuais, vide as 14 mortes recentes no metrô de São Petersburgo.

   O autor descreve em minúcias como foi a corte de 20 'tzares' e 'tzarinas', alguns medíocres, outros brilhantes, em especial dois deles, Pedro, o Grande; e Catarina, a Grande que expandiram os domínios da Rússia até o Oriente conquistaram áreas do Império Otomano, a Polônia tornou-se uma espécie quintal da Rússia, a França ora sendo considerada inimiga, desde a guerra contra a ocupação 'bonapartista' (de Napoleão Bonaparte), no inicio do século XIX; ora amiga na aliança com a Inglaterra para enfretar a Alemanha na I Grande Guerra Mundial; e vivendo em permanente conflitos com o Império Áustro-Húngaro, pelo domínio dos Balcãs; com o Império Otomano, pelo domínio do Oriente. 

   Ou seja, uma Nação/Império em permante ebolição, em movimento incessante por dominação.


   Para entender essa Rússia é preciso conhecer toda cultura Européia e Asiática desse período com povos de etnias variadas, ter noções das ideias do iluminismo que floresciam na invejada e próspera França, as intermináveis guerras e a forte influência que representou a queda da monarquia francesa de Luiz XV, o período Napoleônico, as ideias republicanas e de governos mais abertos com assembleias constituintes.

   Acrescente a todo esse panorama que era mundial - os EUA ainda eram um país sem grande poder - a transformação industrial que se processou ao longo desse período, a modernização do Exército, incluindo uma Marinha muito mais poderosa, os avanços industriais que modificaram a relação campo-cidade surgindo novos centros urbanos, dinâmicos, proletários, revolucionários e socializantes pela influências das teorias marxistas. 

   Tudo isso foi enfrentado pelos Románov permitindo alguns avanços internos no país dando mais autonomia a 22 milhões de camponeses/servos, uma espécie de fim da escravatura, adotando as Dumas (Assembleias Constitucionais), mas, sempre de forma muito autoritária, autocrática, que dotaram a Rússia e seus satélites de um poderio extraordinário.
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   Simon Sebag diz que não fez um livro de história em sí, no modelo clássico, observando-se as questões da economia, da cultura, das ideias revolucionárias transformadoras, mas, ao abordar a familia Románov, não pode escapar de traçar um perfil histórico da Rússia e da Euro-Ásia, uma vez que em todos os acontecimentos envolvendo expansões territoriais nesse longo período de 300 anos, a Rússia esteve envolvida. Foi também inevitável comentar as questões cruciais internas, A Rússia experimentando já no século XIX o avanço do socialismo, a população em busca de uma sociedade mais igualitária.
  
   O mais sugestivo no livro, no entanto, é a familia Románov em sí desde Miguel I a Nicolau II, os costumes da Corte desde Império, o comportamento dos 'tzares' e 'tzarinas' e sua imensa 'entourage' internacional, casamentos, mortes, execuções, traições, aventuras, muito sexo, tudo isso entre muros, paredes, camas e casas imperiais, algo que não aconteceu nesta intensidade em nenhuma outra dinastia na Europa, nem na Ásia.
   
   Dos 20 'tzares' e 'tzarinas'  analisados nesse longo período, todos eles e elas, salvo o puritano Nicolau II, tiveram amantes, participaram de orgias e outros tantos casos envolvendo anões, grandões, sodomia, banquetes e muita bebida alcoólica. Um dos 'tzares' morreu de tanto ingerir bebidas alcoólicas, um outro matou o próprio filho para não sucedê-lo, e o imperador da Aústria dizia nas rodas palacianas que Catarina, a Grande, governava com a buceta. 

   Os Románov também eram guerreiros obstinados, se consideravam iluminados por Deus, e um dos maiores feitos da história Romanóv foi derrotar o Império Napoleônico, com o apoio da Inglaterra, país que nunca conseguiu ter uma relação permanente de amizade, da Áustria de Francisco; e da Prússia de Frederico Guilherme;  quando Alexandre I entrou triunfal montado a cavalo em Paris e ocupou o Palácio de Versalhes, nas redondezas. Vem daí, uma nova partilha territorial da Europa, em 1812.

   Só essas narrativas e a vida íntima da família Románov deixam os leitores interessados no livro, que, embora denso, mais de 900 páginas com ilustrações de alguns 'tzares' e 'tzarinas', de suas familias e amantes, episódios de guerras e cenas diplomáticas, torna-se uma publicação prazerosa e vai-se lendo cum uma avidsez imensa uma vez que a Era Románov foi uma espécie de sanfona que abria o fole em dominações, engolindo territórios e povos, subjulgando-os; e depois diminuia o fole em guerras e perdas, um quadro de instabilidade impressionante. 

   Tudo isso sem perder o poder, em permanente impáfia autocrática, a Rússia sempre respeitadíssima e temida por seus exércitos mistos de russos, poloneses, eslavos, cossacos e comandos eficientes e de uma bravura incomum.

   O livro é denso, precisa ter conhecimentos de história geral para acompanhar todo o desenrolar do texto, especialmente para quem não está acostumado a terminologia dos impérios desse período, o Áustro-Húngaro, o Otomano, a Prússia, a era Vitorina na Inglaterra, a dominação Napoleônica que se estendeu da Peninsula Ibérica ao Oriente, incluindo a fuga da Corte portuguesa para o Brasil, em 1808, esse poderoso país que nunca foi subjulgado por ninguém e avançou à frente dos demais na primeira revolução industrial, sempre possuindo uma poderosa Marinha e um reinado bem estruturado, tanto que até hoje é comandado pela rainha Elizabeth II, conhecer o mapa mundi envolvendo também o Japão e a China. 

   A derrota da Rússia para o Japão no período de Nicolau II, no inicio do século XX, com intermediação de paz feita em New Hampshire, nos EUA, governo de Teddy Rossevelt, foi ponto relevante no moral da tropa e no avanço dos socialistas para 10 anos depois derrubar os Romanóv.

   Outros momentos interessantes do livro, bem pesquisado, com milhares de fontes e documentos, estão relacionados aos costumes desse período que vai dos séculos XVII ao início do XX, uma Rússia medieval onde os casamentos dos 'tzares' eram feitos através de um concurso de jovens donzelas de todo o país, 500 ou mais, depois selecionadas para 5/10 e 'tzar' escolhia uma, numa bringa palaciana de poder entre os nobres que rolava de tudo, desde mortes ao exílio na Sibéria. E se a moça não fosse boa parideira, adeus, desterro. 

   É também um momento em que a Rússia começa a se internacionalizar e mesclar os Romanóv com outras familias de imperadores da Euro-Ásia numa mistureba de casais das mais esdrúxulas tanto que o último "tzar" foi casado com uma inglesa. E ninguém desse circulo Románov falava em ocupação do Novo Mundo e da África territórios que foram explorados e ocupados por portugueses, franceses, ingleses, belgas, holandeses e espanhóis.

   É também um período rico em correspondências diplomáticas e amorosas, entre casais legalmente constituidos e os casais de amantes. E essas correspondências foram valiosas para as pesquisas de Simon Sebag e são para quaisquer estudiosos que queiram escrever sobre a Rússia e a Europa Central, a Inglaterra e a França. 

   Correspondência rica em detalhes, cartas de amor, revelações sexuais, do que restou desse enorme espólio porque muita coisa se perdeu com o incêndio de Moscou na ocupação de Napoleão e nas I e II Grandes Guerras Mundiais. Mas, muita coisa ainda existe porque o euroasiático costuma preservar suas memórias como muita força de vontade e não gostam de jogar os malfeitos piores que sejam embaixo dos tapetes.

   Vide a Alemanha, hoje, que abre suas portas para pesquisadores de todo o mundo que desejam analisar a I e II Guerras Mundiais e não esconde as atrocidades cometidas por Hitler. 

   Os Románov também deixaram um legado imenso em arquitetura e artes para a Rússia atual e são desse período a existência de Tostói e seu romance 'Guerra e Paz', Dostoievisk e outros, grandes musicistas e pintores. O Hermitage que é um dos museus mais valiosos do mundo, em São Petersburgo, é uma dessas heranças; o Krelim, a praça Vermelha e e toda uma cultura na música, na dança, na literatura, que faz da Rússia um país respeitadíssimo.

   E, por fim, a maior das heranças: o poder militar. Ainda hoje, temido e respeitado em todo mundo com seu novo 'tzar" Vladimir Putin.

   "Os Románov 1613-198", de Simon Sebag Montefiore, indispensável para quem deseja conhecer a história mundial desse período. Brilhante. 


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