Literatura
Rosa de Lima
02/03/2014 às
13:44
ROSA DE LIMA comenta os "Pensadores que inventaram o Brasil", de FHC
O livro é um retrato da realidade brasileira
Ler Fernando Henrique Cardoso exige muita concentração. O sociólgo é uma metralhadora giratória de ideias, intelectual de formação acadêmica sólida, faz citações de autores nacionais e internacionais muitos dos quais os leitores medianos nunca ouviram falar. Por isso mesmo, toda atenção é pouca para acompanhar seus raciocínios, seus pontos-de-vista postos na maioria dos seus livros postos em ensaios e artigos jornalísticos.
Em "Pensadores que Inventaram o Brasil" (Companhia das Letras, SP), FHC, revela mais uma vez esses atributos e dá-nos uma licão de interpretação de estudos e livros de autores que ajudam a entender o Brasil, uma seleta de 10 personalidades que deixaram depoimentos valiosos para a compreensão do país desde a época colonial até os dias atuais. Joaquim Nabuco, Euclides da Cunha, Paulo Prado, Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr, Antonio Candido, Florestan Fernandes, Celso Furtado, Raymundo Faoro e pósfácio de José Murilo de Carvalho.
Alguns desses autores certamente os nossos leitores já leram. São clássicos nacionais que povoam estantes dos lares brasileiros e abrigam teses que são objetos de estudos nas universidades e nos colégios de nível médio.
Quem há de dizer que desconhe "Os Sertões", de Euclides da Cunha; e/ou "Raizes do Brasil", de Sérgio Buarque de Holanda? Poucos. Ou pelo menos, raros a àqueles que se interessam em conhecer o Brasil, suas origens a formação do povo brasileiro, a sociologia, a antropologia, a politica e assim por diante.
E o que há, então, de novidade no livro de FHC?
Exatamente a interpretação que faz da obra de cada um desses autores, o que obviamente não é unânime diante de outros pontos-de-vistas, sobretudo em relação a Gilberto Freyre e sua "democracia racial".
E também não se pode dizer que esses 10 nomes escolhidos pelo sociólgo encerram a discussão porque existem outros autores também importantes que fizeram estudos e análises do amálgama do Brasil.
FHC é seletivo, foi contemporâneo de alguns desses nomes, portanto, escreve de cátedra, especialmente quanto aborda as obras de Caio Prado Jr, Antonio Candido, Florestan Fernandes, Celso Furtado e Raymundo Faoro.
Às vezes, aliás, muitas vezes, FHC dá sinais de simpatia extrema a determinados autores, o que é natural e pode ser até provocativo para suscitar outros debates.
Assim o faz com Gilberto Freire, análise primorosa, colocando o sociólogo pernambucano como perene: "O pensamento gilbertiano estava voltado para a singularidade das formas sociais e culturais do Brasil, centrada na família patriarcal e na miscigenação. Ora, o pensamento científico nas ciências sociais, sob influência européia desde a fundação da USP, assim como o pensamento politico dos anos 1950 em diante, que teve como referência o ISEB, a CEPAL e o Partido Comunista, queriam precisamente o oposto: livrar o país das mazelas de um passado que nos condenava ao subdesenvolvimento".
Segundo FHC, Gilberto Freyre foi, na verdade, "o antropópolgo que se voltou para a sociologia e, acreditando que a realidade social é histórica, não desdenhou de que a história é produto da ação humana e que esta guarda um significado e se orienta por valores, além de estar condicionada fisicamente e pelo meio ambiente".
No entendimento de FHC, a interpretação do trabalho de Gilberto Freyre, na década de 1930, exige outros atores sociais como foco para explicar as hierarquias e dar sentido à organização social; as instituições domésticas como pater familias a frente.
- A familia patriarcal, não o Estado, constituira a mola central do Brasil. O senhor em não seria parte permanente, natural, constituiva da nação. Foi produzido por um sistema, o escravocata, tanto quanto o negro, que se tornou escravo por força do processo social de dominação e não por ser portador de uma condição natural deinferioridade".
FHC diz é que preciso reler Freyre para entender todo o seu pensamento e analisar a época em que produziu os seus livros. Sem isso, fica fácil fazer criticas a "democracia racial" de Freyre, um modismo ainda hoje em voga por alguns segmentos.
Sobre Joaquim Nabuco, pouco conhecido no Brasil atual, FHC comenta que "apesar de suas contradições, de ter sentimentos íntimos presos às tradições e a despeito do seu liberalismo não ter sido tão completo como ele pensava, não foi apenas abolicionista, mas tinha de fato uma visão democrática da sociedade".
Em Florestan Fernandes e "A Organização Social dos Tupinambás" e outros livros, FHC diz que "são inumeráveis os trabalhos que escreveu a respeito da universidade e da educação. Continuava a ser ao mesmo tempo o grande intelectual, o homem que abre o caminho da sociologia brasileira e o homem que muda a instituição na qual ele vive".
O livro de FHC, "Pensadores que inventaram o Brasil" é uma referência para quem deseja, de fato, conhecer a evolução da história brasileira, recomendável como uma espécie de catálogo obrigatório. A partir dele, pode-se adquirir os trabalhos citados por FHC e, com isso, o (a) leitor (a) só tende a reforçar em saber a sua biblioteca particular e seus conhecimentos sobre o país.
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