Literatura
Rosa de Lima
02/12/2012 às
15:09
Juliano, Clarindo e Milton em 3 biografias distintas de gente da Bahia
Publicações são feias pela Assembleia Legislativa da Bahia
Por generosidade do jornalista Paulo Bina e do publisher Délio Pinheiro chegaram às minhas mãos os três últimos livros da coleção Gente da Bahia, edições ALBA/Egba, (Juliano Moreira, por Alexandre Lyrio; Clarindo Silva, por Vander Prata; e Milton Santos, por Waldomiro Santos Júnior) que, somente nessa rubrica completa 20 exemplares sobre a vida e obra de personalidades baianas, e fecha 2012 com 90 livros publicados na gestão do presidente Marcelo Nilo (2007/2012), entre diversos títulos editados nesses últimos 6 anos, incluindo a biografia de Ruy Barbosa e um convênio com a Academia de Letras da Bahia.
Diria que dos três livros citados acima, o que me chamou mais a atenção foi o trabalho do jornalista Waldomiro Santos Júnior sobre a vida do geógrafo e professor Milton Santos, em especial porque teve a ousadia, expressão usada aqui no sentido de desafio, em escrever o texto na primeira pessoa, encarnando a personalidade de Milton e mesclando suas observações com depoimentos do próprio geógrafo fisgados em entrevistas à imprensa.
Não foi uma tarefa fácil a missão de Waldomiro e o próprio reconhece isso na apresentação do livro diante de dúvidas que cercaram seu pensamento até tomar essa decisão de “buscar a alma traduzida em cada palavra” advertindo, ainda, que não há qualquer pretensão de que seu trabalho literário “venha a ser entendido como uma biografia”, ainda que, ao final da leitura (367 páginas) se passa a conhecer a obra de Milton em sua inteireza, desde seu nascimento em Brotas de Macaúbas até a sua morte, com passagens pelo mundo acadêmico, na política e nas relações internacionais.
Waldomiro, de certo, só carrega nas tintas quando coloca Milton “como um dos mais brilhantes intelectuais brasileiros de todos os tempo", ainda que faça essa citação na introdução, portanto, observação pessoal do autor e não do autografado, sem levar esse sentimento ao seu Milton escrito na primeira pessoa.
Waldomiro, em todo o trabalho, foi cauteloso em analisar a trajetória do professor com o cuidado de não colocar esterótipos valorativos na negritude (geógrafo negro) situando que “não é real a história do negro que veio do interior e subiu na vida. Ser negro no Brasil é, freqüentemente, objeto de um olhar vesgo, ambíguo”.
Outra dificuldade encontrada pelo autor foi traduzir para o leitor a importância intelectual e acadêmica de um geógrafo, que, aos olhos da população (e dos leitores) apresenta-se como uma matéria sem grande relevância, inatingível, não palpável e não visual como são, por compreensão, a biografia de um arquiteto, de um médico e/ou de um engenheiro.
Visualizar a relação complexa entre o homem e a natureza, entre passado e presente, a evolução das relações sociais e urbanas sempre é complexo.
Daí que, até hoje, muita gente não entende esse valor conceitual que teria acontecido aos estudos e as teses defendidas por Milton, sua importância para se compreender o homem a partir do ambiente geográfico e as mudanças que aconteceram (e acontecem na sociedade), hoje, muito mais urbana do que rural.
O livro, pois, em termo bastante claro, Waldomiro se apropria da linguagem jornalística para traduzir isso com perfeição, mostra um Milton por inteiro e sua trajetória ainda na atualidade uma referência muito significativa.
O trabalho de Alexandre Lyrio sobre Juliano Moreira também conduz o texto nessa direção, de revelar traços da vida de Juliano Moreira, pouca conhecida dos baianos, embora este autor, ao contrário de Waldomiro, tenha se preocupado em apresentr um Juliano como um “gênio precoce” e dado pouca importância ao fato de ser um estudante que ascendeu à medicina por méritos próprios em estudos, graças à contribuição de aporte financeiro do barão de Itapuã.
Inegável que Juliano, um negro, teve enormes dificuldades para se inserir na sociedade acadêmica do final do século XIX, mas, o mais relevante em sua obra está na capacidade que teve de defender teses na psiquiatria derrubando o mito daqueles que enxergavam na mestiçagem a principal causa da loucura.
Juliano, inclusive, bateu de teste com Nina Rodrigues, e seus estudos mostraram que desvios mentais se encontravam em famílias arianas ou em comunidades asiáticas.
Dos três livros, o de Lyrio é o mais singelo e o autor destaca que não se trata de um estudo aprofundado sobre Juliano e suas teses e estudos científicos, mas, apenas “mais uma contribuição para tentar recolocar Juliano em seu devido lugar”.
O terceiro trabalho é de autoria de Vander Prata sobre Clarindo Silva, o “dom Quixote do Pelourinho”, dos três personagens biografados o único que ainda está vivo, com obra ainda inacabada, mas, relevante em defesa do Centro Histórico de Salvador.
Vander às vezes exagera em tintas sobre a velha Bahia mundana e o negro pobre do Almeida. O livro tem o mérito de ser, também, uma espécie de aula sobre a cidade do Salvador.
O trabalho contém um enredo da vida boêmia da cidade nos anos 1960/70 e assim por diante, mescla passagens com a política baiana e os costumes da cidade, e permite que o leitor conheça como era Salvador nesses períodos, ainda sem a violência cotidiana dos dias atuais, imersa em sua ingenuidade barroca e de paz.
Essa coleção da ALBA (Gente da Bahia) no seu contexto é muito interessante. Sem memória não há sociedade organizada e consciente.
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