07/10/2017 às  22:12

MONSIEUR E MADAME ADELMAN: mistérios da vida

Dois comentários de Diogo Berni sobre filmes para seu fim de semana


 Monsieur & Madame Adelman , dirigido por Nicolas Bedos, França, 2017.  O filme é bom, mas têm um fatal erro em seu roteiro, de modo que compromete as atuações, e por fim, as percepções de quem assiste. 

   Inicialmente a grande ocular fixa-se, em um retrato do peito pra cima, um sujeito barbudo, entre costado em um pub, com cigarro em uma mão e um copo de uísque noutra. Quem o vê é uma elegante mulher: a fêmea ou senhora Adelman, ou seja, a futura esposa daquele “Mané” que se encontrara bêbado no dia em que conhecera a mulher da sua vida. 

   O sujeito em questão é um escritor, que afogava as mágoas no Pub por, mais uma vez, ter seu livro rejeitado por todos editores de todas editoras que conhecia. A química é esplêndida entre ambos, de modo que rola sexo no primeiro encontro, em uma Paris dos anos 1960. 

   O escritor, de origem burguesa, e por isso envergonhado do seu berço numa Paris envolvida pelo socialismo de seus representantes, encanta-se com uma mulher alta de origem judia. O encontro familiar para com o recente casal formado é como chumbo em guerra, inclusive com o direito do pai do escritor chama-la de puta por “pegar” o irmão, e querer ficar com um outro, este no caso, o nosso protagonista escritor, ou quase protagonista, vai. 

   O encontro com a família da bela judia acontece total e apaixonadamente diferente, pois o escritor gosta tanto de como a família da namorada pensa, e age, que este começa a pensar que era judeu, de fato. 

   Os tempos passam, e a câmera do diretor é atenta nos caracterizações de figurino e maquiagem, de modo que vemos aquela jornada ou percurso deste atípico casal: um escritor com uma estudante de Letras de uma prestigiada universidade francesa, e com pós-doutorado e tudo mais. 

   Os filhos nascem e as crises conjugais, também; e tudo isso é visto por quem assiste os seus mínimos detalhes com as belas atuações destes personagens centrais da trama. Ao fim da sessão ficamos com a sensação de que poderia ser conosco aquela estória linda e ameaçadora, ao mesmo tempo. 

   Enfim, a vida é sempre um delicioso mistério que, cabe a nós, decifra-la; e o filma instiga esse encantamento das coisas sem controle, ou o impulso dos desesperados por “vida”, com seus sabores e dessabores. Belíssimo filme francês.

                                                                     ******

   Quem Matou Pixote ? ; dirigido por José Jofily, Brasil, 1996. Vejo meus cabelos brancos crescerem em meu peito e penso em algo para escrever. Sinal dos quarenta anos vindo: uma maturidade que vem assim como a não “atleticidade” vindoura dos vinte anos instalada nesse corpo já um pouco vivido; corroído, mas ainda assim latente, pulsante. 

   Na cabeça acontece  o contrário; parece estar mais fluída, expansiva, menos encucada de problemas de vinte, quinze anos passados. Pois bem, esta introdução serve para apresentar o filme, porque de todas as formas, ele rebate e explode na questão temporária da existência: perene e tranquila para poucos; absurda e escrota para a maioria. Se anexarmos na mente a pergunta: Quem matou Pixote? Logo nos remetemos a um dos maiores clássicos que o cinema brasileiro já produziu: Pixote: A Lei Do Mais Fraco, do Hector Babenco, este que deixa saudades, por sinal.

    O filme do Babenco, premiado nacional e internacionalmente, foi finalizado para as telonas em 1980, mostrando uma São Paulo ainda em construção da sua identidade capitalista, caminhando para se tornar uma das grandes metrópoles mundiais, escrevemos assim. 

    Já no filme a ser resenhado, este feito em 1996, ou seja, após a morte do artista-marginal Fernando, este ficcionaliza a vida real do ator que deu seu corpo e alma para viver Pixote nos cinemas, e que por razões diversas, não consegue desvencilhar-se do personagem, de modo que toma o mesmo rumo, virando ladrão na vida real e morrendo em decorrência disso. Mas a pergunta grita e não cala, afinal: Quem Matou Pixote, foi um policial que tinha inveja dele, somente isso?

    Óbvio que não: quem matou Pixote, ou melhor, o Fernando, foi nós mesmos: Sim, exatamente você, sinta-se culpado por isso, pois a sua estagnação de seus braços cruzados quando vendo tevê matou Pixote: um héroi brasileiro, este que faz parte de tantos outros Pixotes que morrem diariamente sem holofote algum. 

   Sim, você matou o Garrincha também, porque adorava ver que ele enganasse seus adversários com suas pernas tortas ganhando a segunda copa de 1962, no Chile, praticamente sozinho, sem o tal do Arantes ou Pelé, inclusive. Sim: eu e você gostamos do espetáculo: de ver um se dar bem sob um outro dando-se bem mal.

    Mas não fique angustiado(a) por isso: você não tem culpa, isso acontece há muito tempo: desde a Roma antiga ou até mais tempo, quem sabe desde nossa existência que até hoje, dela não sabemos nada concreta ou cientificamente me responda: de onde surgimos e pra onde vamos, afinal? Se a vontade da sua resposta for: “ vamos o raio que o parta”, entramos na teoria do quem nasceu primeiro, ou melhor, quem foi o primeiro filho de uma grandíssima puta: o ovo ou a galinha?

     Não fugi do tema, tampouco do filme, aliás será difícil esquecê-lo, pois a pergunta que dá título ao filme ainda continua latente em mim, e deveria estar em você, também, afinal : Quem matou Pixote, ou o Amarildo, ou até aquele cara desconhecido da notícia do jornal que morava numa favela e morreu na guerra do tráfico de drogas só pra não legalizarem? 

   Enfim, responder a essa pergunta é bem mais complexa do que a solução cinematográfica ficcionalizada imposta pelo roteirista, pois na verdade quem puxou o gatilho e matou Pixote foi o sistema, e quem cruza os braços e vive nele também, ou seja, eu e você que me lê. Não sou otário ao ponto de escrever que uma mudança de paradigma sistemático seria fácil, mas não fazer nada pode até ser mais fácil que fazer alguma coisa, todavia acho que já passou da da hora de mudar essa merda toda; não quero ser assassino de mais Pixotes, e se você quiser, sinceramente, então durma com essa culpa.


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