08/08/2016 às 11:37
O CARNAVAL DE SERRINHA no meu tempo de menino tinha Filhos do Zorro
Serrinha está se transformando na cidade do já teve e resta-nos as lembranças do meu tempo de menino
O Carnaval de Serrinha era uma das manifestações culturais mais antigas da cidade. Se a Prefeitura não tivesse acabado a festa na década de 1980 alegando que não poderia concorrer com Salvador para contatar trios e atrações, o que é uma insanidade mental, estaria completando seu centenário. Em antiguidade só perderia para a festa em louvor a Senhora Sant'Anna.
Mas Serrinha, como se sabe, é a terra do já teve. Já teve Carnaval, acabou; já teve São João, acabou; já teve ternos de reis, acabaram; já teve Natal, acabou; já teve bumba-meu-boi, acabou; já teve campeonato de futebol, acabou; já teve teatro, acabou; já teve biblioteca pública, está em frangalhos.
Os gestores ainda não passaram a chave na cidade com desvio para Coité e Araci, por vergonha.
Então, só nos resta recordar observando a música cantada por Gilberto Alves,:"Recordar é viver/eu ontem sonhei com você/Eu sonhei, meu grande amor/ Que você foi embora/Logo depois voltou" na esperança de que algum dia as coisas melhorem.
Agora, estamos na fase das promessas dos candidatos a prefeito: um mar de rosas. Depois, o eleito, diz que o mar é de fogo.
Comento, hoje, nesta série que escrevo para o BJÁ, como era o Carnaval na minha época de menino, nos anos 1940/1950.
Lembrando que, na década de 1920, um tio de minha mãe, Cornélio Paes (avô de Fábio Paes) já organizava encontros carnavalescos na sua residência na Baixa da Estação, casa que ficava localizada depois da linha do trem, entrada do bairro do Cruzeiro. Outras famílias também faziam o mesmo: os Nogueira, os Valverde, os Freitas.
Meu pai (Bráulio Franco) integrava um grupo de boêmios nos anos 1930 que curtia música, promovia serestas e realizava furdunços durante o Carnaval. Era ele, Lourinho Chileno, Zuminha, Nozinho de Gode, Alfredinho do Sax, Romão do Bar, Vianinha, Elisio Freitas, Carlos Paes e outros.
Nos anos 1930, Serrinha já tinha Momo de rua e os blocos (chamados de cordões) eram o Mata Borrões, o Pra Bulir con Você e Decrépitos em Folia, este último organizado por Peluza Nogueira.
Meu pai casou-se em 1939 e o primeiro filho nasceu em 1940. No inicio dos anos 1940, minha mãe fantasiava seus dois filhos (Bráulio e Celeste) de pierrôs e colombina. Esta foto da matéria é de minha irmã Celeste, vestida de pierrot, pronta para ir a folina, no jardim lá de casa, em 1944.
O cordão carnavalesco Só Falta Você, de Marieta Esmira dos Santos, esposa de Zé Ramos, surgiu em 1942, e quando o vi passar pela primeira vez, aos 4 anos de idade, em 1949, o cordão já desfilava com sucesso há 7 anos.
Lembro-me pouco porque era pequeno. Ficava admirado com a beleza das cabrochas, assim se chamavam as passistas, e com o desfile dos carros na Praça. Tinha um corso de fords e caminhões GM com os foliões em cima. Aí, fui crescendo e entendendo mais. No alvorescer dos anos 1960, o corso acabou.
Nessa época, os bailes, às noites, eram realizados no Hotel da Leste (hoje, sede do Hospital da Familia Ferreira) e no Clube Só Falta Você (ex-clube de Tênis na Lauro Mota). Criança, óbvio, não entrava. A gente só ouvia o som das músicas em casa. Serrinha era pequena e silenciosa. A gente também ouvia as pessoas cantando cantigas de roda lá na rua da Rodagem.
Quando completei 7 anos inaugurou a Associação Cultural Serrinhense (ACS), que todo mundo só chamava de "O Clube" e surgiram os bailes infantis. A situação melhorou.
A programação carnavalesca do Clube começava sábado e ia até terça, com bailes que se iniciavam às 10 da noite e iam até a madrugada, 3 e até 4 das manhãs. No domingo de tarde tinha a matinée - assim, escrito em francês - que a gente frequentava.
Minha mãe fantasiava os filhos e íamos nós. A festa era no salão principal animada pela Orquestra de Azevedo e a gente ficava dando voltas no salão e os país sentados nas mesas olhando.
Usava-se lança perfume Rodouro, confetes e serpentinas. Era tudo de uma inocência infantil celestial. Só quando a gente ia ficando mais velho, aí por 12 a 13 anos, é que o 'cupido do amor' aparecia. A paquera era feita com a lança perfume. Se alguém lançava um vapor da lança nas costas de uma garota era um bom sinal.
Depois, quando fui ficando menino grande, com 14 anos por aí, tentava entrar no clube às noites. O porteiro era Sêo Tatá, oficial de Justiça de Menores, o qual conhecia todas as familias e seus filhos.
Tatá era grandão, magro, sizudo. Quando a gente queria enganar Sêo Tatá se passando por maior de idade ele dizia: - Você é filho de Bráulio, eu sei sua idade moleque.
Ninguém tinha carteira de identidade, salvo os adultos e olhe lá. Só fui entrar no Clube, de noite, quando rapazote, acompanhado da familia. Meu pai levava a gente pros bailes de sábado, domingo e terça. Segunda, pulava.
O comércio de Serrinha abria normalmente nos sábados e segundas de Carnaval. A gente ficava chateado com meu pai porque quando estava no melhor da festa, por volta das 2 da manhã, ele dizia: - Vamos embora.
Na Praça Luiz Nogueira a gente só olhava o Carnaval de rua. Tinha vários cordões (blocos) sendo os principais 'Os Filhos do Zorro', de Manoel Preto; o 'Elias e suas Cabrochas', de Elias Nery, irmão de Gilberto Nery e de Ana Nery, que tinha o cordão 'Sertanejas em Folia'.
O mais animado era o 'Só Falta Você' porque tinha instrumento de sopro, uma bandinha improvisada por Alfredinho. Tia Pipe Paes comandava o 'Boys e Girls', rapazes e moças. Os outros cordões só tinham instrumentos de couro fabricados na Serra. Dizem que alguns tinham couros de gatos.
Só me lembro do 'Filhos do Zorro', do 'Elias e suas cabrochas' e do 'Só Falta Você'. Era uma luta para colocar esses cordões nas ruas. Manoel (chamado de Mané Preto, carregador) e Elias saiam com listas para que os comerciantes colaborassem.
O comércio de Serrinha era uma merreca. Conseguiam poucos recursos, um corte de tecidos, uma ajuda em bebidas e em dinheiro reforçados pela Prefeitura. O 'Só Falta Você' era mais organizado, da elite dos negros e mulatos, e tinha o apoio de Zé Ramos (Coqueiro), que era empresário do ramo de pisos marmorizados.
Gilberto, irmão de Elias, trabalhava na 'Typografia - escrevia assim - O Serrinhense' de meu pai e fazia uns panfletos e rifas para Elias.
O certo é que, mesmo com poucos recursos e com todas as dificuldades, desfilavam nos domingos e nas terças-feiras às tardes. A gente ficava admirado com tudo o que víamos.
Mané Preto se fantasiva de Zorro, com máscara e tudo; e Elias era uma espécie de maestro do bloco, assim como Marieta, a qual foi a maior foliã da Serra, como passista, cantora e empreendedora. O 'Só Falta Você' era também um clube com bailes às noites.
Curioso destacar o seguinte: Serrinha tinha duas elites, (se é que podemos chamar assim) a do Clube, constituida por comerciantes, profissionais liberais - médicos, dentistas, advogados, bancários, contadores, etc - servidores públicos e fazendeiros, a maioria brancos com poucos negros e mulatos; e a do Só Falta Você - constituida por comerciantes, comerciários, profissionais liberais - mestres-de-obras, músicos, carpinteiros, pedreiros, alfaiates, etc, a maioria negros e mulatos com poucos brancos.
Nessas duas associações só entravam sócios e convidados. Depois, nos Carnavais e festas, também podia-se pagar uma quantia para entrar. Os pobres mesmo (carregadores, verdureiros, aguadeiros, homens do campo, etc), tanto brancos; quanto negros e mulatos não frequetavam nem um; nem o outro.
O 'Só Falta Você' desfilou pela última vez em 1964 quando eu já era rapaz. E extinguiu-se de vez com as mortes de Marieta e Zé Ramos; o Clube também morreu de morte matada, no inicio deste século.
Resta-nos as lembranças do tempo em que a gente, menino, cantava 'Bandeira Branca amor/Eu quero paz' nos seus salões.
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