21/04/2016 às 18:23
Homenagem a João Machado Cafezeiro e a Atlântica
Valdir Barbosa é delegado de Policia
Meados da década de noventa recém-passada. Ano eleitoral. Abrigado no Luxor Regente, hotel luxuoso situado entre o posto 4 e 5 da Atlântica cuidava de investigar crime de extorsão mediante sequestro que vitimara empresário feirense. Durante meses estive por lá, monitorando ligações entre integrantes da quadrilha baseados na Cidade Maravilhosa e outros espalhados em vários municípios brasileiros, dentre eles Juiz de Fora, Vitória da Conquista e Salvador.
A missão foi exitosa, todos os bandidos findaram presos tempos depois de iniciados os trabalhos apuratórios, tão logo foi liberado o refém, pois a família optou pelo pagamento do resgate, destarte, inexistiu interferência da policia baiana, enquanto não findou o calvário do cativeiro.
Mas, não é sobre isto que desejo falar. Em verdade, lembrando-me deste trabalho, remeto meu pensar a momentos deveras prazerosos que pude desfrutar, naquele tempo, ao lado do genial João Machado Cafezeiro, o mago da contabilidade. Morava ele na época, naquela referida hospedaria, assim, com seu apoio pude também permanecer no ambiente sofisticado, frente às águas azuis da praia de Copacabana, enquanto cuidava do mister responsável por me fazer longe de meu canto, meses a fio.
Em outras oportunidades, quando estive na Guanabara, a serviço de interesses da policia de nosso Estado, privei ali da companhia de Café, assim, seu suporte foi sempre o bálsamo que pôde transformar o peso do esforço, do sacrifício, das labutas e da saudade, em fardos mais leves, possíveis de serem conduzidos sem muita dor.
Quantos fins de tardes e de semanas, enquanto a massa que mexia diuturnamente não dava
ponto, secamos garrafas de Buchanan’s, no bar do Regente, desta forma, na esteira de sua voz grave pude conhecer muito de tudo. Das coisas boas desta vida, dos atalhos, dos segredos e das armadilhas, dos senões e dos porquês, dos prós e dos contra, das verdades e mentiras que fazem parte do cotidiano de todos nós.
Aprendi com ele a arte do profissionalismo, testemunhando no seu exemplo, que os deleites da vida jamais serão mais importantes que o dever. Poucos, ou nenhum dos homens e mulheres com quem pude conviver, nestes sessenta e quatro anos quase já vividos foram tão apaixonados pelos prazeres da mesa, do copo e da carne, porém, seu maior orgasmo residia na defesa dos interesses dos clientes,
todos apaixonados por sua expertise.
Volvo àquele ano tratado no início destas linhas. Penso que o dia era 15 de novembro, creio se tratava de um sábado e o feriado pela data da Proclamação da República coincidia com eleições, não recordo se majoritárias ou não. João não iria a Bangu, por algum motivo também o meu fim de semana seria de nada fazer, certo é que antes das dez, depois do banho, após minha corrida costumeira, quando
varava os doze quilômetros na via glamourosa, indo e vindo, fizemos o desjejum juntos.
Ele, como sempre esportiva, mas elegantemente trajado, calça de brim e camisa branca, ambas de fino acabamento, sapato mocassim também alvo como nuvens na Pedra da Gávea, aceita me acompanhar numa andada que se estendeu até o antigo Meridien, no cruzamento da Atlântica com a Princesa Isabel. Entre cigarro e outro, fumados de forma intermitente, resmungando ao voltar, posto caminhar não era
seu forte findamos na recepção do hotel, após justificar o voto, numa escola próxima a Santa Clara. Passavam das 13 horas.
Lembramos-nos da lei seca e os restaurantes do entorno confirmaram a proibição da venda de
bebidas alcoólicas. O bar e restaurante do Luxor também aderiram à ordem legal e uma tristeza própria dos abstinentes tomou conta de nós. Disse-lhe, amigo, você é insuperável na seara contabilista, mas ela não nos socorrerá agora e falei do principio ontológico do direito que infere: tudo que não estiver juridicamente proibido estará juridicamente facultado.
Fomos até o gerente de plantão e, com lastro na dita premissa, admiti seu impedimento por vender o produto proibido, contudo, enfoquei a hipótese de que a lei não nos negava o direito ter, por empréstimo, uma garrafa de uísque. O funcionário qualificado, de bem com a vida embarcou na nossa onda e mandou
servir a bebida no apartamento, sob compromisso de que na manhã seguinte repuséssemos ao estoque, o Buchanan’s cedido em comodato.
O resto do dia voou nas asas dos eflúvios etílicos, entre gargalhadas de Cafezeiro ecoando no quarto, entre histórias fascinantes, prêmios que pude ganhar enquanto estive ao seu lado, nestes anos todos que voaram.
Combalido desde algum tempo, ainda assim sorvi generosas taças de vinho na sua companhia, nas derradeiras épocas, entre conversas sem fim, nos últimos abrigos onde esteve ao lado de Lene, companheira de muitos anos e Vanessa uma das adoradas filhas, como todos os outros que soube amar ao seu jeito, mesmo distantes.
As muitas oportunidades vividas ao seu lado nestes últimos encontros, foram capazes de inspirar
personagem de romance que concluo, onde ele figurará como Jota Malhado. Hoje, meu guru parceiro se foi. Cedo, Riserio, grande médico atuante em Conquista, fraterno amigo comum, me reportou quase em tempo real, os últimos momentos dessa inesquecível figura.
Não o conduzirei a ultima morada terrena. Frente à tela onde derramo lagrimas sentidas e estas lembranças, bebo à sua memória como fizemos juntos por varias décadas. Aliás, não duvido, Café, o traquino de sempre fugiu, partiu em busca de paz, esta paz que tanto desejamos e que apenas brota nas sendas etéreas de um mundo de onde viemos e para onde voltaremos todos.
Como bom caçador, quando tiver de ser, um dia lhe pego fujão, e haveremos, sem dúvida, de gargalhar juntos outra vez.
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