23/10/2015 às 10:55
O GENOCIDIO das Bandas Filarmônicas da Bahia em 2015
Sendo assim, é melhor que eu dê por encerrada uma militância de mais de quarenta anos e que enterrem meu coração na curva do rio.
O objetivo da presente carta é chamar a atenção da sociedade, das autoridades constituídas e lideranças culturais sobre o estado de coisas no universo das Bandas Filarmônicas da Bahia. São cerca de 155 grupos musicais com estatutos, sem contar as bandas militares, de igrejas ou de escolas, atendendo gratuitamente crianças e jovens, independente de estarem ou não em situação de risco social, sem impor barreiras de etnia, credo ou nenhum parâmetro que os rotule ou exponha. Tomando a discreta estimativa de 60 participantes por banda, entre músicos, orientadores e alunos iniciantes, todas juntas fazem das filarmônicas o maior projeto de inclusão social atuando com música na Bahia.
Há mais de oito anos não se aplica um programa de apoio a essas instituições musicais, algumas com mais de cem anos de funcionamento, nem mesmo dirigido à manutenção das suas sedes e arquivos musicais manuscritos, cuja preciosidade ainda não foi bem avaliada. Afora ações raras e pontuais, como o apoio ao Festival do Recôncavo ou a vinda de algumas filarmônicas para integrar o Cortejo do 2 de Julho, nenhum centavo é repassado a essas corporações a título de incentivo, nenhum edital é publicado, nem se conhece plano algum para o setor.
Por que enfim essas bandas devem ser apoiadas pelo Estado? Porque há muitos anos iniciam, integram e profissionalizam milhares de crianças e jovens sem lhes cobrar um tostão, e ainda lhes franqueando instrumento, fardamento e lanche nos ensaios. Nas bandas militares, grupos populares e orquestras sinfônicas a maioria dos instrumentistas de sopro veio de bandas do interior.
As bandas de música estão intimamente ligadas à vida social da suas cidades, presentes em todos os momentos solenes, de cunho religioso ou de pura festa; em seus arquivos brota um notável patrimônio de músicas originais, em maioria compostas nas próprias cidades, por competentes compositores dos quais todos os brasileiros têm o direito de saber o nome, obra e tudo que fizeram pela música. Com sua independência e criatividade, é nas bandas que vemos maior possibilidade de surgir um ímpeto musical renovador e contemporâneo, e sobre isso construí minha tese de doutorado.
Observando o intenso apoio financeiro e político em torno do Núcleo de Orquestras Juvenis - NEOJIBA, inspiradas em uma rede chamada El Sistema, com origem na Venezuela, as filarmônicas foram apanhadas sem ação, depois de esperarem inutilmente um plano, uma política para o setor, que não veio. O que estou a reclamar não desconhece a
importância do trabalho, com base na tradição musical da Europa, que se vem fazendo em bairros e comunidades carentes, mas lamenta ter-se criado duas realidades para o trabalho sócio-musical na Bahia: os com-apoio e os sem-apoio
Não podemos recomendar que as bandas filarmônicas procurem o Núcleo de Orquestras Juvenis em busca de parceria, pois isso implica na perda de autonomia sobre seus espaços, sua pedagogia e sua variedade musical. Cada filarmônica é regida por uma diretoria eleita soberana e democraticamente e seu trabalho musical tem como base a praxe pedagógica e artística dos nossos ancestrais, um trabalho bem sucedido, pois a média de inclusão de um iniciante, lendo música e tocando um instrumento, é de apenas um ano!
Ao invés de erradicar, devemos estudar a metodologia desses abnegados agentes sociais! Cada banda de música é soberana para escolher seu fardamento, sua área de atuação e as músicas que escolheu tocar. O que se deseja é uma política clara de apoio ao trabalho já desenvolvido há quase dois séculos nas mais diversas comunidades, das cidades
maiores até as pequeninas, e não sua substituição por uma estrutura piramidal, onde no topo está um líder único e um sistema pedagógico que não agrega experiências locais.
Algumas cidades são felizes, mas raros são os prefeitos conscientes do trabalho da banda em sua cidade. Mais raro ainda é o gestor que o faz de maneira equilibrada, quando há dois grupos locais. E em geral, políticos costumam se sensibilizar mais com o colorido e movimentação das fanfarras que com o trabalho discreto e profissional das bandas filarmônicas, que usam toda a teoria da música ocidental: claves, pentagrama, figuras musicais, notas, dinâmica e sinais de expressão e por isso deixam o jovem apto ao mercado de trabalho.
Pergunto aos deputados da nossa Assembléia Legislativa: - o que cada um de Vossas Excelências tem feito pelas bandas de música que estão nesse momento agregando crianças e jovens nas cidades onde estão suas bases eleitorais? Fontes ligadas à Fundação Cultural do Estado admitem existir cerca de cinco mil músicos e mais dois mil e
quinhentos iniciantes no último levantamento realizado, podendo ser maior esse número devido às novas bandas surgidas em cidades pequenas. Qual o plano do Governo para elas? Por que até mesmo a pequena ajuda tradicionalmente dada pela Funarte, instrumentos e cursos sem custo algum para o Estado, há oito anos não
é repassada às bandas da Bahia?
Enfim, haverá lugar para todos, desde que um dos lados não seja injustiçado. Orquestras sinfônicas nunca
inviabilizaram bandas filarmônicas em lugares onde tiveram oportunidades iguais. Por isso o que se deseja é uma política de apoio dirigida a todas as bandas de música do estado.
Se essa ajuda não chegar logo, parece evidente que o que está em curso é uma espécie de genocídio cultural, onde uma ideologia esmaga a outra e ocupa seu espaço. Sendo assim, é melhor que eu dê por encerrada uma militância de mais de quarenta anos e que enterrem meu coração na curva do rio. Do Paraguassu, de preferência, à margem do qual nasceram Tranquillino Bastos, Heráclio Guerreiro, Amando Nobre e Estevam Moura.
https://bahiaja.com.br/artigo/2015/10/23/o-genocidio-das-bandas-filarmonicas-da-bahia-em-2015,877,0.html