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18/04/2013 às 14:52

NO MEU tempo de rapaz e a Coreia na história de Serrinha

O brega de Serrinha se chamava Coreia numa alusão a guerra da Coreia que dividiu a Peninsula coreana em Coreia do Norte e Coreia do Sul

Tasso Franco

 No meu tempo de jovem lá pelos idos das décadas de 1950/1960, os rapazes tinham sua primeira e subsequentes experiências sexuais nos cabarés. Em Serrinha, cidade que nasci e vivi até os 17 anos de idade esse era o nome que se dava as casas frequentadas pelas putas. Pouca gente usava a expressão prostitutas.

   Serrinha tinha duas ruas de putas - os puteiros - 1º de Janeiro e 7 de Setembro (hoje Marcelino Oliveira e Bernardo da Silva) e se situavam próximas do centro comercial, a Praça Luiz Nogueira, numa quebrada à direita da Rua Barão de Cotegipe e do Largo JJ Araújo (Largo da Matança). Esse conjunto, onde também residiam famílias, se chamava de Coreia.

   Quem colocou o nome Coreia nunca se soube do autor e difusor. Serrinha só teria sua primeira emissora de rádio, em 1971, e havia, nessa época os serviços de alto-falantes que transmitiam as notícias, as nacionais e internacionais copiadas de A Tarde, jornal que circulava na comunidade desde sua fundação, em 1913, vindo no trem da Leste, da capital.

   É possível que, alguiém vendo as imagens da Guerra da Coréia (1950/1953) que dividiu a Península da Coreia em Coreia do Norte (apoiada pela China e URSS) e Coreia do Sul (aliada dos EUA e da Grã Bretanha), com milhares de mortos, uma carnificina geral, tenha se aproveitado dessa imagem e colocado o nome do puteiro serrinhense de Coreia.

   Nada depreciativo. Era a área de convivência aceitável pela comunidade, de paz e amor, não havendo registros de crimes no local, frequentado pelos senhores da sociedade, por consenso, os politicos, profissionais liberais, comerciantes, bancários, petroleiros, solteiros de uma forma geral e alguns casados.

   Os anos 1950/1960 foram épocas em que os jovens namoravam discretamente, de mãos dadas, beijinhos, poucas bolinações e nada de avanços de sinais. Depois, com o correr dos anos, noivavam e se casavam. Aí sim, praticavam a chamada "lua de mel". Raríssimas eram as jovens que aceitavam algo além, antes do altar. Não havia motéis, ninguém tinha carros e pic-niques nem pensar. Viagens de solteiras, pior ainda. 

   Essa abertura só se deu a partir dos anos 1970 com a liberação sexual quando, no final desta década e nos anos subsequentes, a Coreia mingou por falta de clientes e se extingiu na década de 1990, salvo com raríssimas casas individuais, e a transferência para a BR-116 Norte, para o cabaré do Gaguinho, na saída da BR para Araci, e a casa de Antônia, no Beco de Zé Mota.

   Os homens, no entanto, nas épocas citadas, tinham na Coreia a válvula de escape e quebravam a virgindade por lá levado por algum amigo. Eu mesmo tive essa experiência com uma senhora baixinha que me apresentou Carlito, um auxiliar farmacêutico que trabalhava na Farmácia de Sêo Isac Pimental.

   Na Coreia, existiam três cabarés mais famosos - o de Viana, o de Cecílio e o de Zinho - e as casas das damas da noite, individuais, onde essas pessoas recebiam seus clientes, de forma discreta. Algumas ficavam sentadas em frente à casa e outras deixavam apenas a janela aberta e a luz acesa, o que significava dizer que estavam a serviço. Outras, em casas onde havia mais de uma dama da noite, ficavam a porta e a janela abertas e as madames fazendo ponto no salão. O cliente entrava acertava o amor e efetivava em algum dos quartos. 

   Ninguém usava camisinha. Não havia AIDS e no máximo o cliente poderia pegar uma doença venérea curada nas farmácias do Povo (de Sêo Cosme) ou na de Biêta, com duas ou três doses de benzetacil. O camarada ficava mancando dois ou três dias e depois curado. Sífilis também existia, mas, era raro.

   As madame s da noite também tinha seus amores. Seus casos, xodós. Algumas delas tiveram filhos e se casaram. Outras ficaram mães-solteiras. Um amante era coisa séria, respeitosa. Normalmente frequentavam horários da belle de jour (às tardes).

   Nos cabarés, alguns com quartos; outros só com salão e bar dançava-se, bebia-se e acertava-se um programa. Serrinha nunca teve um Bataclã estilo de Iléus porque a comunidade era (e ainda é) pobre e, no máximo essas casas tinham uma banda pequena ou som mecânico. Houve uma época dos bingos, onde se levava uma madame como prêmio, no Cabaré do Zinho.

   Houve também a época dos petroleiros quando a Petrobras se instalou em Biritinga, meados dos anos 1960, e o mercado inflacionou. Não só nos puteiros, mas, no comércio e nas feiras livres da cidade. O preço de uma galinha foi às alturas. Muitos serrinhenses se empregaram nessa leva e hoje estão aposentados. Outros já faleceram, com o meio-campista Pereira, do Flu; o pona-de-lança Mingo, do Fla. Os petroleiros comproavam tudo, usavam correntes de ouro no pescoço e, claro, eram os preferidos das damas da noite. 

   Ao lado do Cabaré de Cecílio, situava-se a casa de Maria Saborosa, uma das mais famosas damas da noite da Serra. Belíssima, forte, ancas largas, sorriso franco, era discreta e fez história na Serra.

   Na última semana santa estive em Serrinha e fiz uma entrevista com Maria de Lourdes de Jesus (Maria Saborosa) e ela me contou causos e histórias daquele momento da vida serrinhense, os quais, não posso aqui revelar nomes e outros porque ela não me autorizou. 
 Hoje, aos 83 anos de idade, lúcida, 4 filhas criadas, netos, contemplativa e vivendo na Rua Direita quase na saída para Barrocas, Saborosa diz que não se arrende de nada do que praticou dentro das circunstâncias da vida e em tom saudosita confessa: "O tempo que não volta mais, passou".

   Saborosa alugava uma casa de Astério Bacelar na 7 de Setembro e depois adquiriu o imóvel. Divida a jornada de trabalho com a amiga Marina. Próximo tinha a casa de Marica, querida de um doutor da Serra. Adiante as casas de Purcela, Maria Antonia (Toinha) e Judite.

   Saborosa não era da noite, dos cabarés. Mais discreta, atuava em sua casa. Não gostava de beber. Ficou mais famosa pelo apelido, o qual, não sabe quem colocou. Dividia a popularidade com duas outras damas muito conhecidas: Alzirão e Maria Cabeça de Taca.

   A vida seguiu assim até que a Coreia entrou em decadência e essas senhoras se aposentaram e/ou morreram.

   Aí está um pouco mais da história da velha e gloriosa Serrinha. (TF)


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