19/09/2011 às 20:00
VOU COM MEUS ENCANTOS PARA O XIRÊ DE XIQUE-XIQUE
Festa de encantados em Xique-Xique
Foto: REP |
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Xirê é comunhão e II Xirê das Letras acontece em Xique-Xique, dias 21 a 24 |
Com a participação de autoridades e escritores de países africanos de língua portuguesa, professores, direção da Uneb, escritores brasileiros, entidades ... acontece esta semana (de 21 a 24 de setembro) , em Xique-Xique, cidade ribeirinha do São Francisco, o II Xirê das Letras - Congresso Internacional de Línguas, Literaturas e Culturas Africanas e Afro Americanas... com palestras, lançamentos de livros, cursos, mesa redondas, oficinas etc...
* maiores informações e programação completa no site : www.iixiredasletrasuneb.blogspot.com/
Como escritor convidado o jornalista ZéBarrêto de Jesus escreveu esse texto:
Palavras têm magia. Encantos. Encantamentos.
Quando escrevemos, lemos, pronunciamos as palavras ... sentimos sua energia. Palavras têm Axé, a força, a energia da vida.
Muitas palavras nos tocam não só pelo significado que trazem, abrigam...
mas, muito mais pela sonoridade, pela forma, pela melodia que evolam.
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Xirê, Xique-Xique !
Tão belas palavras!
Um Xirê em Xique-Xique é muito chique.
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Xirê é comunhão, encontro, mistura.
Xirê é dança, ritual, brincadeira, é roda sonora que gira chamando santo nos terreiros ...
É a cerimônia de abertura das festas que acontecem nos barracões dos terreiros, onde os filhos de santo se congraçam, se irmanam em cânticos e movimentos à espera da graça da incorporação dos Orixás, das divindades.
Xirê é roda de aconchego do divino, do sobrenatural...
Uma liturgia para as divindades ancestrais africanas ... que se deu, em forma de oferenda, na Baía de Todos-os-Santos, Orixás, Inquices, Voduns, Caboclos, Encantados, Espíritos e Anjos da Guarda ...
Porque foi no grande caldeirão das águas salgadas e doces dessa baía atlântica e em seu entorno, na Kirimurê dos tupinambás, os nativos do recôncavo baiano, que se deu, e se dá ainda, a grande mistura de credos, cores, ritmos e fazeres do que chamamos ‘nação afro-baiana', ou afro-brasileira.
Nas águas da baía Kirimurê, no chão massapê do recôncavo, nas matas e canaviais, casa-grande e senzalas, entre cantochão e batuques, ebós e procissões, novenas e rodas de capoeira, lundus e chulas de terreiro ... nas redes, nas camas, nas esteiras ou no pó do chão ... aí misturaram-se a carne, o suor, o sangue, a fé e o fazer do povo baiano, brasileiro.
O Xirê, esse ritual de batuques, de canto e roda de dança que agregou nos terreiros baianos as entidades, os deuses tribais e familiares dos antepassados africanos é força da Natureza , energia pura, Axé do Candomblé da Bahia ...
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Pois bem ...
‘Candomblé da Bahia - Resistência e Identidade de um povo de fé' ... é o nome, título de um livro de minha autoria, editado pela Solisluna Editora, em 2010.
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Mas, por que eu decidi escrevê-lo? Ouçam ! :
Axé, abará, acarajé, alabê, aruanda, bozó, caruru, canzuá, ebó, eparrei!, Exu, ialorixá, iaô, Inquice, jeje, keto, maianga, mandinga, muzenza, nagô, Oyó, Olorum , padê, pemba, quizila, runcó, vatapá, xicarangoma, Zambi ... Zaratempo!
São palavras em idiomas: Iorubá-nagô, em Banto, em Jeje-fon, em Ijexá ... línguas antigas !
Jeito de falar vindo das bandas de lá. Do outro lado das águas atlânticas, da África-Mãe.
Êpa Babá ! Pai véi , babá fun-fun, Orixá, senhor do branco, das nuvens alvas. Oxalá!
Deus meu, quanta palavra bonita! Mas ... Qual é o sentido, o significado de cada uma delas?
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Pois foi essa curiosidade, essa pergunta que sempre me fazia desde pequeno, branquelo nascido e vivido nos subúrbios negros, mulatos, mestiços da cidade da Bahia, ouvindo sinos e campainhas de Igrejas, de dia, e batucajés à noite... Me perguntava sempre, mesmo calado: Qual o significado dessas palavras, que mistérios elas contém que nos fazem arrepiar só por ouvi-las?
Depois, já taludo, querendo descobrir e compreender os mistérios ocultos nas palavras, lidas, ditas e cantadas... nas comidas com cheiro de dendê, nos rituais, nas danças , nos toques dos atabaques, nas oferendas, nas contas dos colares que carregamos no pescoço, nos gestos, no vermelho das quartas-feiras, no branco absoluto da sexta-feira ...
Afinal, qual o significado dessas coisas com saberes e sabores do sagrado?
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Daí, a intenção desse livro ‘Candomblé da Bahia', escrito e editado com a benção da Ialorixá Mãe Stella de Oxóssi, sacerdotisa maior do Ilê Axé Opô Afonjá, casa de keto-nagô, assento de Xangô, e também escrito com a licença dos Orixás, claro, eu que sou branco... Então, a intenção desse livro é essa: tentar aclarar, numa linguagem simples, didática, que qualquer pessoa possa entender, os significados dessa religião, religião que historicamente significou e significa a manifestação maior de resistência e identidade de um povo de fé!
Sem entrar nos mistérios do oculto, porque isso a mim não me cabe, é descoberta de cada um.
Mãe Stella nos ensina: ‘O ser humano é livre para abraçar qualquer crença. A fé não se impõe, nem se chega a ela pelo intelecto. Chega-se ao Orixá pelo coração'.
Então, escrevi assim: ‘ A intenção desse livro é somente apontar uma trilha, acender uma chama, apagar o medo e, com a licença e as bênçãos dos Orixás (santos, voduns, inquices, caboclos, encantados, anjos da guarda), abrir uma porta, uma fresta que seja, para a percepção, sem preconceitos, de um mundo diferente, mágico e real, rico e tão pouco conhecido, mesmo tão presente: a religião e o culto aos Orixás nos terreiros de candomblé da Bahia. Axé!'
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Peço licença, nesse momento, para lembrar uma frase de Jorge Amado, o grande escritor e mensageiro da afro-brasileiridade, que estria completando agora 100 anos, se vivo estivesse... mas aqui deve estar presente. Entrevistado pela jornalista francesa Alice Raillard, em 1985, sobre a ligação dele, ele um ateu convicto, com o candomblé... Jorge respondeu:
‘Estou ligado ao candomblé em razão da luta contra o racismo, e não por motivos religiosos'.
Poucos fizeram tanto pelo candomblé como Jorge Amado, que foi o autor da Lei que está na Constituição determinando a liberdade de culto. Jorge dedicou sua vida, sua arte em defesa do respeito à cultura, ao fazer do povo... e contra todas as formas de preconceito.
Salve Jorge!
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Xirê em Xique-Xique!
Pronuncio em alta voz. Soa bonito, sonoro. Som de xequerê, de caxixi, parece versejo de ladainha de Capoeira Angola.
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Sim, a Capoeira Angola da Bahia... que é luta, dança, arte, jogo, reza; lamento e vadiação. Capoeira que é brincadeira, filosofia de vida, manha, ginga, artimanha de preto, coisa de raiz africana, jeito de viver baiano que ganhou o mundo.
O maior de todos os angoleiros, o Mestre Pastinha, que deu nome e método à Capoeira Angola da Bahia, definiu assim:
‘Capoeira é mandinga de preto escravo em ânsia de liberdade'.
(Está aqui, nesse livrinho que escrevi sobre o mestre.. e , este ano ainda, devo estar lançando um versão dele para crianças... infantil, chamado: ‘Pastinha, O menino que virou Mestre', também editado pela Solisluna e com desenhos, ilustrações belíssimas do artista Cau Gomez.
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‘Mandinga de preto em ânsia de liberdade'
São esses fraseados que alumiam a vida. Como os movimentos ágeis do Mestre Pastinha. Que relampeiam o mundo... feito os traços e as formas criadas por artistas geniais como Carybé, por exemplo. São essas coisas e manifestações simples, criadas pelo nosso povo, que nos dão alento e motivo, que dão significância a esse viver efêmero.
A Bahia, filha da África, sua luminosidade, sua luz e seu povo, essa terra de sacrossanta mistura foi a inspiração de artistas maiores e geniais como Dorival Caymmi, Jorge Amado, Pastinha, Carybé, Pierre Verger, Mário Cravo, João Ubaldo Ribeiro (este ainda escrevendo, graças a Deus) ... Eles recriaram em forma de arte o fazer do povo afro-baiano.
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Pois é essa paixão pela luz, pelo azul do céu e do mar, pelas águas e pelo chão que pisamos, pela mistura de cores, credos e sons, pela cultura de nossa gente... é isso que também nos motiva aqui, a nós todos, bem sei, e a mim, um mero escrevinhador apenas do que vejo e sinto... mundo afora.
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Foi com esse olhar e sentimento que escrevi também o livro ‘Cacimbo- uma experiência em Angola' ( também editado pela Solisluna, editora baiana).
É um livro escrito em linguagem libertária, ora jornalística, ora em quase versejos, onde tentei fotografar em letras e fraseados curtos, soltos, o dia a dia do povo de Luanda, a capital de Angola, uma cidade fêmea como Salvador, cidades irmãs, filhas das águas atlânticas. Busquei identidades e dessemelhanças entre elas, desigualdades e belezuras, os encantos ou desencantos e esperanças, lá e cá.
Cacimbo (pronuncia-se cachimbo, em angolês) é o estio angolano, tempo seco, empoeirado, quando os imbudeiros, árvores sagradas de Angola, desfolham, seus troncos robustos sustentam galhos ressequidos.
‘Ninguém jamais será a mesma pessoa depois de conhecer Angola', me disse um dia um preto velho orgulhoso ‘mangolê'. Hoje eu sei.
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Dengo é uma palavra quimbundo, como bunda, tão bela.
São rítmicas e melodiosas as línguas nacionais, tribais, os idiomas nativos angolanos: quimbundo, umbundo, kikongo, tchokwe, fiote, nyaneka, n'ganguela...
Províncias de nomes bonitos, como Cabinda, Cuanza, Bengo, Malange, Huambo, Bié, Benguela, Lubango, Cunene, Lunda, Cuando Cubango...
Saudade !!! Povo bonito, afetuoso ... viram a beleza da Miss Universo, Leila, angolana?
Angola é vó da Bahia.
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Então ...
Que os Deuses, todos, inclusive o Único ... se cheguem, tomem assento
nesse Xirê em Xique-Xique - cidade cria das águas barrentas, sagradas do rio São Francisco.
Axé !
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