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05/06/2010 às 12:01

CRÔNICA DE UMA NOITE SEM TEMPO

As relíquias da irmã Dulce

Frei José Ruy G. Lopes

Foto: ARQUIVO
Frei Ruy Lopes: - A grandeza do ser humano precisa ser restabelecida
 

          Silenciosamente, como sempre fazia com seus pobres, sem nenhuma publicidade. Discretamente como sempre agia com seus doentes. Religiosamente, como sempre foi movida em sua vida. Comovidamente, como sempre foi o seu nobre coração. Assim foi o rito de exumação dos restos mortais da mais doce imortal baiana, Irmã Dulce. Não houve tempo para contemplar se o céu estava estrelado ou enluarado. O tempo parou para assistir áquela que, para dentro de um túmulo, estava dentro do coração de toda Bahia.
 
            A expectativa tomava o semblante de todos. A emoção era demasiadamente controlada. Mas, a alma de cada um estava inquieta. Era um reencontro não com o que sobrou, mas com o que ficou em cada um. Dos que foram beneficiados e ali estavam, dos que foram agraciados e ali testemunhavam. Foi assim que, ao depararmos com o caixão de Irmã Dulce alguns deixaram cair lágrimas. Alguém dizia que era como o derradeiro momento, enquanto eu pensava: é o primeiro. E em tudo isso, em meio às lacrimosas orações franciscanas, esquecemos de contar nossos pedidos e nossas intenções. O momento era demasiado forte e mágico para coisas pequenas. O pequeno corpo ainda encantava pelas proezas do amor.
 
                      De repente a observação de Iraci, sua fiel seguidora: "Ela é agora aqueles a quem acolhia". Mas, ela sempre foi isso. Seu coração é que não era tão bem visto. Muito própria a observação de Santa Clara de Assis: "Veja, considere, contemple". Era o que naquele momento se podia fazer.
 
             Vimos padres desconcertados, religiosas chorosas, leigos emocionados. Todos viam ao seu modo o corpo inerte e mumificado mas, agigantado na sua história. Certamente do lado de fora, um outro seu admirador podia novamente cantar e dar um novo sentido à sua própria música: "Estrelas mudam de lugar, chegam mais perto só pra ver e na grandeza desta hora, o amor espera pra nascer". Seguramente o amor ainda vai nascer no coração de muita gente que não a conheceu, mas vai ouvir dela falar.
 
         A grandeza do ser humano precisa ser restabelecida. Somente ícones como Irmã Dulce são capazes de fazer o ser humano enxergar no outro a si mesmo. O mundo precisa ainda dela, de seu exemplo, de seu amor, de sua doação.
 
         Ela saiu, sim. Para voltar de outro modo. O corpo tem o sentido da transcendência. Não mais o seu. Ela transcendeu vendo no corpo de cada pobre doente o próprio corpo de Cristo. Agora somos nós que precisamos. E como precisamos! Que ela nos ajude com seu angelical exemplo. Toque o si mesmo de cada um. Desperte o humano adormecido ou embrutecido. Acorde-nos para amar. Quem sabe assim a Bahia acorde melhor com baianos melhores.
 
           Seja louvada aquela noite. Seja bendito Aquele que a criou para amar. Seja tudo para maior honra e glória do seu vizinho que promete a quem fizer o bem a um dos pequeninos, um Eterno Bomfim.




‘frei José Ruy G. Lopes, da Ordem dos Menores Capuchinhos.


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