A tragédia ambiental que aconteceu recentemente na Baía de Todos os Santos, no entorno das localidades do Recôncavo, contra costa da Ilha de Itaparica e adjacências, tem revelado imagens desalentadoras das populações euro-indo-negro-mestiças, com matrilínea preponderante negra e paupérrima, que vive basicamente da cultura de subsistência da pesca e não se sente capacitada para enfrentar um drama dessa natureza sem a ajuda assistencial dos seus municípios e do Estado.
E o que está ocorrendo a olhos vistos? Que essa assistência tem sido precária, mínima, quer porque os municípios dessas localidades - Saúbara, Salinas, Santo Amaro, etc. - não têm sequer coordenações de defesas civis e orçamentos para dar esse suporte; quer porque as Prefeituras por suas próprias administrações são historicamente despreparadas; e quer porque o Estado, que é o ente mais forte gestor ao lado da União, não tem respondido à altura a essa expectativa.
Ou seja, não tem se apresentado como poder competente e estruturado para amparar os mais necessitados nesse momento em que eles, de fato, precisam.
Embora, ressalte-se, nesses últimos dias, alguém abriu os olhos para dizer que é a tragédia ambiental tem dimensões nunca vistas na baía, o drama das famílias é assustador, a mídia está presente diariamente abordando o assunto (o que não ocorreu com drama idêntico às margens do Rio São Francisco nas recentes enchentes), e era preciso fazer algo mais. De fato, os governos estadual e federal acordaram, um representante do Ministério da Pesca esteve na Bahia e as secretarias da Pobreza, da Saúde, do Social se mobilizaram e garantiram cestas básicas e um salário mínimo para 8 mil cadastrados durante 60 dias.
No CRA, não diria que haja um bate cabeça, porque a diretora geral Beth Wagner está no cargo a pouco mais de 70 dias. E, faz o que pode e até o que não é de sua competência, para minimizar os danos provocados pela tragédia. Mas, mesmo assim, considerando a tradição desse órgão, a sua capacidade gerencial com corpo técnico qualificado e as atuais tecnologias à disposição nos mais distintos laboratórios do país, era de se esperar, até como anunciou inicialmente o próprio site do CRA, que já fosse dado conhecimento à população do que aconteceu, quais os responsáveis pela tragédia e as resoluções e/ou punições previstas no direito ambiental.
Do ponto de vista do CRA e da Secretaria do Meio Ambiente, em sua atividade principal, a tarefa primordial é identificar quem foi o causador da tragédia, até porque, em dimensão dessa natureza já se sabe que não foi arte de pescadores que utilizam bombas, nem algas marinhas ou marés vermelhas. Há indícios de que o desastre ambiental tenha sido provocado por uma empresa de porte ou empresas multinacionais que utilizam áreas da Baía de Todos os Santos como depósito dos seus detritos. Essa assim, é a função do CRA e não reunir-se com comunidades carentes ou colônias de pescadores, uma vez que para isso existem outras secretarias no Estado e nos municípios com essa finalidade.
Evidente que a crítica ao CRA não desmerece seu lado humanitário e o papel de sua diretoria nesse apaziguamento, mas, o que a população deseja saber, o que a Bahia precisa saber, é quem provocou a tragédia, porque cometeu esse crime ambiental e quais as sanções a serem aplicadas de acordo com a lei. No mais, ai sim, seria dar uma resposta pronta, efetiva, convocar técnicos de outros estados, da iniciativa privada, das universidades, para revelar o que se passou e tomar as providências para que isso não se repita novamente.
O que se vê no Recôncavo, nas milhares de pessoas que vivem do mar na arte artesanal da sobrevivência da pesca, com métodos idênticos aos praticadas por seus antepassados tupinambás e tapuios, no modelo praticado no século XV ou até mesmo antes, são sociedades primitivas nas barbas de Salvador, algumas delas beneficiadas pelos programas sociais do governo federal, os quais, está mais do que comprovado, não criam condições estruturais na vida dos pobres.
O desastre ambiental da Baía de Todos os Santos revelou essa face do primitivismo baiano, da aldeia euro-tupinambá que se iniciou no atual Porto da Barra, com Diogo Álvares, o Camaruru, por volta de 1509/1511 e que ainda perdura até os dias atuais, com casinhas de palha e pindoba, prole de oito a dez filhos, anzol, tarrafa, canoa de pau lavrado na encho, isso no entorno da Baía de Todos os Santos. Esses tupinambás da era contemporânea vivem como seus antepassados, com a diferença de que, naquela época o peixe era farto e a farinha de mandioca pura e boa; e agora, o peixe senão escasso e miúdo, é asfixiado pelos resíduos químicos.
A televisão todos os dias mostra esses tupinambás do Recôncavo a nos mirar com faces sérias, primitivas, chocantes, não necessariamente nos pedindo ajudando ou ao governo, mas, só exigindo que os deixem em paz com a sua pesca, com as suas tradições, pois, estão tão distanciados do tempo, tão longe da cultura da palavra, da interpretação dos textos e da tecnologia da informação que desejam apenas paz, anzóis e o mar.
De toda sorte, a responsablidade social do governo do Estado, nesse momento de aflição, tem que ser presente, mais efetiva. O governador Wagner estava no Japão. A partir de hoje, mais próximo dos acontecimentos, certamente determinará algumas medidas mais condizentes com à atuação de um governo que se apresentou ao público, desde o momento da campanha de 2006, próximo dos mais necessitados.
O CRA, de sua parte, precisa apresentar-se como um órgão de tecnologia, e não como órgão de assistência social.
https://bahiaja.com.br/artigo/2007/04/02/tragedia-ambiental-na-baia-de-todos-os-santos,51,0.html