Aos leitores que tiveram a paciência de seguir as colunas sobre nomes de origem tupi, no período de adaptação ao meu novo trabalho em Roma, eu apresento novidades: a confusão entre "chaga" e "praga" ou "peste", a partir, tudo indica, de uma tradução infeliz, quem sabe até de um computador, da palavra italiana "piaga"; e depois apresento algumas "novas palavras" que estão surgindo no cenário europeu e mundial.
As línguas neolatinas, devido à sua raiz comum têm semelhanças que são armadilhas para o tradutor desatento. Há dias, aí no Brasil, algumas publicações fizeram confusão com a palavra italiana "piaga" = chaga, traduzida como, "praga". As duas palavras têm raiz latina comum em português, mas em italiano, língua em que se expressou o Papa, elas não são exatamente a mesma coisa. Vamos tentar explicar a seguir.
Chaga. Do latim, plaga = chaga, lesão, ferida, e também, golpe, pancada. O latim já herdou o termo do grego dórico, "plagá" = ferida, golpe. No latim tardio surgiu o verbo "plagare" = ferir, golpear, bater. Duas expressões italianas: mettere il dito sulla piaga = por o dedo na ferida; e riaprire una piaga = reabrir uma ferida, confirmam esse significado.
Praga. Do latim, plaga = praga, peste, doença infecciosa. E por extensão uma chaga, ferida... pode vir a ser considerada uma praga. A palavra portuguesa praga, se traduz em italiano por "peste" = do latim pestem = peste, uma doença infecciosa que atinge os animais. O termo também com relação aos seres humanos, como no caso da "peste negra" que na alta idade média matou milhares de pessoas aqui na Europa. Hoje o uso do termo peste em italiano está praticamente restrito, à peste suína, à peste bovina e à peste aviária.
Em resumo: se o Papa tivesse intenção, de falar de "praga", como ótimo conhecedor da língua italiana, embora sendo alemão, certamente teria usado a palavra "peste" em italiano.
Meus contatos iniciais com a intelectualidade de Roma levaram-me ao neologista Tullio De Mauro e ao conhecimento de novas palavras, que os próximos anos vão mostrar se serão efêmeras ou duradouras. A partir de hoje compartilho com meus leitores assíduos, algumas dessas novas palavras.
Alectofobia. Do grego alektos = frango, + fobia = medo. Portanto, medo do franco. A "peste" do franco conhecida como "gripe aviária", que se tornou uma "praga" mundial, criou essa nova palavra oriunda de dois nomes gregos já existentes. A palavra existia porque o grando até pouco anos não causava medo a ninguém. As doenças classificadas como "fobias" são numerosas, pois com a electofobia são 11 e estudos mostram que 37% da população mundial sobre de alguma fobia. É um número muito elevado. Uma curiosidade: Sigmund Freud, rejeitava a criação de neologismos. Ele escreveu sobre um caso de "hipofobia" ou "equinofobia", mas jamais usou os neologismos derivados do grego, usou sempre a mesma expressão: "medo de cavalos". Palavras correlatas já existentes: alectório, electorofonema, alectoromancia e alectoromanete, uma concorrente da conhecida cartomante. (Ver, dic. Antônio Houais)
Asbo. Palavra surgida na Inglaterra e na Holanda para designar o problema da criminalidade infanto-juvenil na sociedade consumista e incapaz de por limites. Ela é uma sigla da expressão inglesa: Anti-Social Behaviour Orders = Comportamento contra a ordem social. Essa palavra é um tanto forçada. Portugal e Espanha dificilmente usarão. Na França, ASBO é uma Associação antiga: Academicus Sanctae Barbarae Ordo; na Itália, ASBO é o conhecido e procurado Archivio Stato di Bologna. Nestes quatro países a previsão é de que a palavra não cairá no gosto do povo e nem no domínio público.
Biografema. O termo foi proposto em 1975, pelo semiólogo francês Roland Barthes. Com a sutil explicação: Assim como uma foto mostra apenas um momento especial e positivo da vida da pessoa, as autobiografias e em algumas biografias só mostram momentos felizes e positivos da vida da pessoa. As lutas jurídicas travadas entre personalidades do mundo artístico, político e soçaite, com autores das chamadas "biografias não autorizadas" podem estar ligadas ao desejo da pessoa de ser apenas "biografemado" e não biografado. Essa palavra apesar de ainda não estar nos dicionários tem muita aceitação em francês, italiano, espanhol, português, catalão, lituano e basco. É menos usada em inglês e alemão. Palavra correlata: biografemar.
Burnout. Do inglês, que significa: "término do combustível". Essa palavra está tomando certa importância porque consta no Manual Internacional de Diagnóstico Psiquiátrico - DSM-IV, como síndrome burnout. Em medicina o termo designa o "esgotamento físico e psíquico da pessoa". Segundo muitas informações, aqui na Itália estão se tornando freqüentes os casos de professores do primário, ginásio e até do segundo grau, atacados pela síndrome de burnout. Vamos esperar para ver se o termo se firma.
Canteirar/canteirizar. Essa nova palavra como se deduz vem de "canteiro de obras". O verbo "canteirar" surgiu aqui na Itália no final da década de 90, quando Silvio Berlusconi prometeu canteirizar = transformar num canteiro de obras, a maior parte da Itália. O novo verbo com seus termos correlatos: canteirado, canteiramento, canteirizado, canteirização, é de uso correntes na imprensa e nas conversas. Ela está relacionada com a crise de emprego ou de trabalho que assola boa parte do mundo.
Captologia. O termo é moderno e ainda não está nos dicionários, mas deriva do latim: captare = capturar, apreender. Essa palavra surgiu no mundo da informática e é o acrônimo de: Computers As Persuasive Technologies. É o estudo científico de como os seres humanos deixam-se persuadir e são apreendidos pelo computador e seus projetistas. Embora ainda não esteja nos dicionários a palavra já é de uso corrente nas principais línguas. Ing. Captology. Esp. Captologia. Fr. Captologie. It. Captologia. Al. Captologie.
Chindia/chindiano. Como o leitor já "capturou", é uma fusão de China e Índia, que já causa apreensão no mundo. Essa palavra foi lançada em 2005 por Jairam Ramesh, no livro: Making Sense of Chindia = ed. Índia Research Press, Bangalore. O livro fala das perspectivas e dos problemas da possível fusão da Índia com a China. Vejam: A China entraria com o seu enorme hardware = matéria prima e mão de obra barata e a Índia com o seu potente software = tecnologia avançada. Elas passariam a produzir de tudo, a baixo custo. Isso causaria um crash no sistema financeiro e comercial do mundo atual obrigando a mudanças profundas. É impossível prever todas as conseqüências. E em outubro de 2006 o primeiro ministro chinês em visita à Índia já lançou a proposta causando apreensão ao bloco euro-nipo-americano.
Cristianística. Essa palavra surgiu em Roma, Turim e em outras cidades, em teses de doutorado sobre o cristianismo. Ela é apresentada como uma "teoria interpretativa do fenômeno cristão", ou como uma "leitura funcional do pensamento cristão antigo". A partir do conteúdo das teses em que a palavra foi usada, trata-se de um estudo histórico da totalidade da realidade do mundo na época em que surgiu o cristianismo e do confronto do mundo cristão nascente, com o mundo pagão e posteriormente com o mundo islâmico. A previsão é de que proximamente, a palavra seja inserida nos dicionários das principais línguas do mundo.
Forma bonum fragile est = A beleza é um bem passageiro. Britney Spears que o diga.
Frei Hermínio Bezerra.
freiherkol@yahoo.com.br
https://bahiaja.com.br/artigo/2007/03/30/palavras-logica-e-sentido,49,0.html