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17/05/2009 às 09:21

VAMOS FALAR DE FLORES VIAJANDO A FRANÇA - II

Dimitri Ganzelevitch é produtor cultural

Dimitri Ganzelevitch


Paris, Bastilha, na pena de Dimitri Ganzelevitch, "À nous deux, Paris"
 

 

Depois da internacionalidade cultural do encontro de Cluny, onde estavam representantes do Mali, Bélgica, Quebec, Togo, Mongólia, Finlândia, Madagascar, Comoros, Benin, Chade, Inglaterra, e, claro, muitos franceses - e onde fui, eu sozinho, o único a representar a América do Sul, vejam só! - resolvi mergulhar na cultura materna, tomando o caminho de Paris.


"À nous deux, Paris!"


Acho que foi o Rastignac de Balzac que assim declarou sua desmedida ambição, a não ser que fosse o sonso Julien Sorel, imortal sedutor de Stendhal. Tanto faz. Se não é mais o farol do mundo ocidental como na primeira metade do século XX, Paris ainda é uma fascinante metrópole, com seus milhares de galerias, suas centenas de teatros, seu rosário de igrejas que, grandes ou pequenas, abrigam os mais diversos concertos das músicas do mundo e seus milhões de restaurantes, nem todos tão bons assim, sejamos sinceros.


Desagradável, o francês? Parfois. Mas nem tanto por pretensa xenofobia, pois quando dois franceses conversam, muitas vezes parecem brigar, simplesmente estão a falar do tempo. Aos tímidos e angustiados, sugiro irem a França na primavera. Entre as rosas de Bagatelle e as criancinhas do Luxembourg, aposto que você não verá senão sorrisos e gentilezas. Mas não se esqueça, você também, de comprar, na primeira esquina, seu permanente e mais lindo sorriso. Sempre ajuda.


Hoje tenho encontro marcado com uma desconhecida. Não sei por que caminhos intergalácticos ela leu algumas crônicas minhas, me fez a honra de gostar e entramos em fastos diálogos pela internet. E aqui estou, na escadaria da nova Ópera, na Bastilha, aquele friozinho que não me larga, esperando nem sei quem.

Cheguei antes da hora e começo a me preocupar com este bizarro encontro. Será uma destas despirocadas mocinhas com vinte piercings nas orelhas, nariz e sobrancelhas, tatuagens pelo pescoço e nas bochechas? Nada de preconceito, claro. Mas, mesmo assim, estes signos tribais não são de minha época, nem de minha formação de adolescente pós Segunda Guerra.


É ela. Avança ao meu encontro com aquele imenso sorriso que devora horizontalmente um rosto longo e fino. Mas como que é? Ela me deixou entender que era brasileira e parece árabe! Uma Aïcha chapada. Uma marroquina transviada, com cachecóis, colares, pulseiras e balangandãs. Linda, encantadora. Mas ainda não me rendi. Pode ser louca, piradona. Quem sabe? Em breve terei a resposta. Me leva a um restaurante. Conversa atrapalhada. Estou tonto, confuso. Esta Catitu escapou de "Hair, O Musical", é toda Love and Peace, cara. Onde fui me meter?


O restaurante é um daqueles que existem em qualquer lugar do mundo. Pizza, hambúrguer, batatas fritas et coetera. Pas vraiment mon style. Pelo menos o garçom, beleza bruta, este escapou de um filme francês anos 60. Ah! Se Truffaud o tivesse visto... Merece Piaf ou Trenet.


Um a um, a moça solta seus véus. São muitos. Fala de seu doutorado, do pós-doutorado, de seu projeto aprovado pela Unesco, da filha loira de olhos azuis, agora com dezesseis anos, de suas viagens pelas Áfricas, costuradas de aventuras que não vou contar porque prometi segredo, fala de Adélia Prado, de Cabral de Melo Neto, Machado, Sabino.  Clarice, Bandeiras e de outros que nunca ouvi sequer o nome. Falhas minhas. Quando cai mais um véu, surgem dez outros. Lembro estes espelhos que, colocados frente a frente, repetem imagens diversas da mesma figura, ou então as gigognes bonecas-caixas russas como aquelas expostas neste momento na Rue Bonaparte.


Mas afinal, o que pretende de mim? Nada ou quase nada. Nenhum texto, nenhuma gravação para seu projeto de patrimônio cultural sonoro destinado aos analfabetos, encarcerados e cegos. Me reduz à minha insignificância. Comprometo-me a ajudar. Afinal conheço atores e cantores pelo mundo afora e não será difícil convencê-los a contribuir com sua voz a este surpreendente e belo projeto.

Não falei que a misteriosa Catitu - pois continua misteriosa - era uma perigosa sedutora?


https://bahiaja.com.br/artigo/2009/05/17/vamos-falar-de-flores-viajando-a-franca-ii,395,0.html