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30/01/2009 às 19:02

O FECHAMENTO DE GUATÁNAMO E A LENHA NA FOGUEIRA DOS CONSERVADORES

Rosane Santana é jornalista baiana residente em Boston

Rosane Santana

: AFP
A prisão de Guatánamo onde estão presos terroristas

    Com a ordem para fechar a prisão de Guantánamo e a condenação pública da prática de tortura no polêmico centro de detenção, denunciada por ativistas dos direitos humanos em todo o mundo, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, inaugura uma nova etapa na "Guerra contra o Terror", iniciada por George W. Bush.
 
   Ainda que num mero exercício de retórica, já que recomendou seguir manual do exército americano que está sendo revisado para introduzir práticas mais agressivas de interrogatório contra supostos terroristas, o presidente busca um realinhamento na condução da prioridade número um da política externa do país, desde os ataques do 11 de Setembro: o combate ao terrorismo.

 

    O objetivo é reparar os estragos feitos ate agora na imagem dos Estados Unidos, com o recrudescimento do anti-americanismo, levando em conta a existência de uma conjuntura econômica nada favorável, diferentemente do início da jornada na Era Bush.

   Seguindo essa linha, buscar novos aliados e reaproximar-se dos antigos, especialmente na comunidade européia, é uma estratégica facilitada pela alta popularidade que Barack Obama conquistou em todo o mundo e a expectativa de mudança gerada com sua eleição, ainda que isso nem sempre corresponda a realidade.

 

    Ninguém melhor do que a celebridade Barack Obama para conduzir essa tarefa, pelo menos neste momento, em que ele próprio é um poderoso instrumento daquilo que o cientista político e professor da Universidade de Harvard, Joseph Nye, define como o poder encantador (não-coercivo) da política norte-americana, seus valores e sua cultura, que alçaram o país à condição de porta-voz das liberdades democráticas por um longo período da história. Daí nasce a expectativa de que ele represente a mudança e que sua política externa seja conduzida pelo "poder inteligente", como enfatizou a secretária de Estado, Hillary Clinton.

 

    Mas não passou despercebido o momento escolhido por Barack Obama para sinalizar ao mundo a manutenção da "Guerra contra o Terror", propondo um novo pacto na condução dessa luta, dentro de limites supostamente mais "civilizados", sob a liderança dos Estados Unidos. Nesse mesmo dia, o relator especial da Organização das Nações Unidades sobre a situação de Direitos Humanos em Gaza, Richard Falk, divulgou relatório no qual acusa Israel de cometer crimes de guerra, sob o silêncio do novo presidente, que simplesmente ignorou o documento da ONU. Mais que isso, Barack Obama ratificou o apoio ao tradicional aliado sem qualquer restrição as atrocidades denunciadas, como o bloqueio ilegal de alimentos, remédios e combustível na região e o cerco à população civil, impedida de deixar o território antes do bombardeio.

 

   Os números evidenciam o massacre e o uso de força desproporcional por Israel: do lado palestino, 1.300 mortos (400 crianças); do lado israelense, apenas 13 judeus. Se os Estados Unidos "não irão torturar no combate ao terrorismo", como enfatizou Barack Obama em seus discurso para fechar Guatánamo, o país também não pode compactuar com a barbárie, numa luta que propõe seja mais civilizada daqui para a frente.

 

   Mas reconheço que há um clima de mistificação em torno de Barack Obama que turva uma discussão dessa natureza. Invoco as palavras do escritor Luis Fernando Veríssimo em lúcido artigo publicado semana passada em que compara a popularidade de Barack Obama a de outros presidentes americanos, como John Kennedy, também celebridade cuja "boa estampa, a juventude, a família fotogênica lhe garantiram um lugar na História maior do que sua presidência merecia".
 
    Para Veríssimo, Barack Obama "sem nunca ter sido artista, costureiro ou playboy ou sequer ocupado outro cargo de comando, chega à Presidência como a maior celebridade de todas", em comparação a seus antecessores.

 

    Isso não impede reconhecer, entretanto, que o fechamento de Guantánamo como ponto de partida para repactuar as bases de uma Guerra contra o Terror é uma iniciativa carregada de simbolismo, dentro da perspectiva de uso do poder inteligente na politíca externa americana. Havia insatisfação e protestos generalizados em todo o mundo em relaçã àquele centro de detenção, que marcou negativamente o governo Bush como uma era do vale-tudo no combate ao terrorismo, desrespeito aos direitos civis e quebra dos padrões mínimos exigidos pelas regras civilizadas no trato com prisioneiros.

 

     Combater e derrotar o terrorismo é uma tarefa que levará tempo e para a qual os Estados Unidos precisam ganhar fôlego, conquistando novos aliados. Medidas militares são necessárias, mas, sozinhas não resolvem. Por isso tem razão a nova secretária de estado, Hillary Clinton, quando acena com a diplomacia em lugar da força.

 

     É preciso, entretanto, aguardar os acontecimentos. A desativação de Guantánamo vai levar algum tempo. O destino dos detentos, principalmente aqueles considerados mais perigosos, não há dúvida, é um problema que não pode ser rapidamente resolvido e ainda vai render muita discussão, alimentando o medo dos americanos de novos ataques terroristas, se alguns deles, como anunciado, forem deslocados para prisões estaduais.

 

     É colocar lenha na fogueira dos conservadores.

 


https://bahiaja.com.br/artigo/2009/01/30/o-fechamento-de-guatanamo-e-a-lenha-na-fogueira-dos-conservadores,320,0.html