O que muda na Língua Portuguesa com o Acordo da Ortografia Unificada |
Agora, mais por iniciativa do governo brasileiro, a questão voltou à baila em comentários da imprensa, nem sempre oferecendo ao leitor informações corretas sobre o que dispõem as normas do referido Acordo.
Assim, tomei a liberdade de levar aos ilustres Confrades os pontos em que o Acordo difere do Formulário Ortográfico vigente no Brasil, elaborado pela ABL, que é fundamentalmente o texto de 12 de agosto de 1943, complementado pela Lei no 5765 de 18 de dezembro de 1971, que trata da redução dos acentos diferenciais de palavras homógrafas a somente poucos casos específicos.
O Acordo de 1990 difere do atual sistema brasileiro nos seguintes pontos:
1) Incorpora definitivamente ao alfabeto usado na língua portuguesa K,W,Y, passando-o de 23 para 26 letras. O emprego destas letras, porém, já estava previsto no Formulário de 1943.
2) No tocante ao emprego dos acentos agudo, grave (especialmente indicativo da crase) e circunflexo, são pontos divergentes:
2.1. Não levam acento agudo os ditongos abertos ei e oi de palavras paroxítonas:
assembleia heroica Obs. Causa estranheza que o Acordo
ideia jiboia recomende acento agudo, nos ditongos
ei, eu, e oi dos oxítonos: papéis, Ilhéu,
e herói.
2.2. Não leva acento circunflexo o primeiro o do hiato o:
voo / voos enjoo / enjoos
2.3. Não levam acento circunflexo as formas verbais creem, leem, deem, veem e seus derivados (descreem, releem, desdeem, reveem, etc.)
2.4. Não levam acento agudo diferencial as palavras homógrafas tônicas para distingui-las das átonas:
para (verbo) - para (preposição)
pela(s) (substantivo) - pela(s) (verbo) - pela(s) (per + la(s))
pelo(s) (substantivo) - pelo (verbo) - pelo(s) (per + lo(s))
polo(s) (substantivo) - polo(s) (per + lo(s))
Exceção: pôde (3a pessoa - singular) - pode (1a pessoa - singular)
Facultativo: fôrma (substantivo) - forma (substantivo - verbo).
2.5. Não levam acento agudo as vogais tônicas i e u das palavras paroxítonas quando precedidas de ditongo:
baiuca baiuno cauila
2.6. Não leva acento agudo o u tônico de formas rizotônicas dos verbos arguir e redarguir:
argui redargui
arguis redarguis
3) Eliminação do trema em todos os casos que o Formulário de 1943 determinava. Assim, serão escritos sem trema:
linguística aguentar
frequência arguir
4) Divergência em alguns casos de emprego do hífen entre o Acordo e o Formulário de 1943. Infelizmente se perdeu a oportunidade de elaboração de princípios em muitíssimo menor número de casos e de maneira mais racional, todos ao alcance do homem comum.
5) No emprego de maiúsculas e minúsculas há as seguintes diferenças:
5.1. Faculdade de escrever todos os componentes dos títulos de livros com maiúscula, exceto as partículas monossilábicas interiores (como determinava o Formulário), ou somente o primeiro elemento, ficando os demais com minúscula, exceto os substantivos próprios:
Menino de Engenho / Menino de engenho
O Senhor do Paço de Ninães / O senhor do paço de Ninães
5.2. Faculdade de escrever com maiúscula (como recomenda o Formulário) ou minúscula o componente inicial das denominações de vias, lugares públicos, estados, províncias, cidades e acidente geográficos:
Rua da Carioca / rua da Carioca
Praça da República ou praça da República
Igreja do Bonfim ou igreja do Bonfim
Túnel Noel Rosa ou túnel Noel Rosa
O Estado do Piauí ou O estado do Piauí
A Ilha de São Luís ou A ilha de São Luís
5.3. Faculdade no emprego de maiúscula (prevista no Formulário) ou minúscula nos nomes que designam cargos, dignidades ou postos:
Secretário de Estado ou secretário de Estado
Presidente da República ou presidente da República
Cardeal Bembo ou cardeal Bembo
Brigadeiro Holanda ou brigadeiro Holanda
6) O Acordo, desnecessariamente do ponto de vista ortográfico, cria alguns casos de dupla grafia, numa volta à acentuação diferencial, como, por exemplo:
6.1.Facultativamente, levam acento circunflexo as formas de 1a pess. pl. do presente do subjuntivo dos verbos de 2a conjugação:
dêmos em oposição ao pret. perf. do indicativo demos
6.2. Facultativamente, levam acento agudo as formas de 1a pess. pl. do pret. perf. ind. dos verbos da 1a conjugação:
louvámos em oposição a louvamos do pres. ind.
amámos em oposição a amamos do pres. Ind.
Finalmente, cabe lembrar que, em alguns casos, o Acordo extrapola sua função de guia ortográfico e invade o terreno da gramática. Estão neste desvio:
averigua / averíguo
ague / águe
Rio de Janeiro, 10 de novembro de 2004
Bibliografia:
Academia das Ciências de Lisboa. Acordo da Ortografia Unificada da Língua Portuguesa. Lisboa, 1990.
Antônio Houaiss. A Nova Ortografia da Língua Portuguesa. São Paulo, Editora Ática, 1991.
Academia Brasileira de Letras. Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1943.
https://bahiaja.com.br/artigo/2008/12/06/o-que-muda-na-lingua-portuguesa,287,0.html