Uma da tarde, sol a pino, vento do mar batendo e refrescando o corredor de cimento central de Salvador, cheia de dengo na voz, manhosa, a negona de carne maciça e cara gostosa, ambulante-camelô que sobrevive de dois tabuleiros de bugiganga paraguaia no passeio da avenida Sete pede ao parceiro de rua ao lado, um mulato do mesmo tope e simpático, com toda intimidade:
- Ô pai, espie essa mercadoria pra mim aí, um instantinho, enquanto vou ali de junto fazer uma merenda e aliviar a bexiga, vai!
- Eu não! Nem vá esperando que você não me merece!
- Ôxente! Tá me estranhando, é? Lhe fiz o quê pra não lhe merecer?
- Você é que andou me estranhando por aí, desconfiando da minha pessoa !
- Desconfiando como assim que o sinhô fala? Que história é essa que eu nem mermo estou sabendo?
- Se nem mermo vosmecê sabe o que fala!
- Olhe seo mínimo, algum vagabundo ou vagabunda aqui da área andou lhe emprenhando os ouvidos, por conta da nossa amizade, não foi não?
- De que amizade é que você tá falando? Eu hein !
- Quié isso, pai, assim é você que tá me ofendendo!
- Não gosto de disse me disse, mas você não jogou malícia contra a minha pessoa, no dia que fiquei olhando suas mercadoria, dizendo que tinha sumido uma merda de um controle remoto de dez real?
- Ó paí ó! Eu não disse que foi você, tá vendo ?
- Mas desconfiou! Pegou mal pra mim. Não sou dessas coisa e não preciso da porcaria de seus dez conto!
- Porcaria não sinhô, que é fruto de meu suor ! Dez real pra mim é dinheiro!
- Então tome conta de suas coisa e me deixe fora ... me erre! Peça a alguém que você confie pra pastorar seus bagulho, pronto.
- Porra, broder, puta que pariu ! Eu aqui com uma fome retada, uma vontade da porra de mijar e você fazendo cu doce por causa de uma bobagem que já passou, já tinha até me esquecido? Qualé a sua?
- Passou um cacete! Esqueceu você, que ofendeu a minha pessoa. Mas pra mim quebrou a guia da nossa amizade... foi uma desconsideração!
- Vai, pai, deixa de bobagem! Que é que você quer de mim?
- De você mermo... nada! So pensava que você tinha de mim alguma consideração !!!
- Eu lhe considero, misera ! Você sabe... Se não considerasse, tava lhe pedindo? Deixa eu dar um xêro, um agrado, que passa essa zanga!
- Vai tomar no rabo, sua nêga safada! Num tô zangado não! Deixa essa porra aê que eu olho pra você, mas não demore !!!
- Você é um amor, paínho!
- É, mas não tô comendo seu reggae não, que eu tenho vergonha na cara! Mais tarde a gente tira isso a limpo, viu?
- Viu, gostosinho ! Fui.
Assim, a nêga saiu sacudindo o rabanete e entrou zunindo beco a dentro, com aquele riso aberto na cara deslavada, redonda e bela.
O ‘compadre' azuretado já mais manso acompanhou o jogo de saia e da bunda dela com os olhos, riso maroto, soltando o veneno entre os dentes:
- Ainda tomo uma surra de buceta dessa nêga! Só não sei o que vai ser de mim depois!
Crendeuspai!
E benzeu-se com a mão esquerda:
- Oi aí, fregueza! O controle remoto sai a dez real! É original, pode levar!
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