Saindo da pousada, à direita, sempre ao longo da praia e passando a pequena ponte, chega-se à enseada da Penha.
Tomar banho durante a semana, de manhã cedo, quando ainda não tem ninguém, é acreditar no paraíso.
Pouco depois de ter chegado a Salvador, descobri os encantos de Mar Grande.
Preferia ir passar uma ou duas noites durante a semana, fugindo dos domingueiros. Andando ao longo da praia ou pelas trilhas dentro do mato, ouvia o canto do bem-te-vi que, para mim, era o oficial apelo das ilhas.
A casa grande e a igrejinha estavam escondidas por tras do matagal, à beira da praia. Alguém tinha "modernizado" a igrejinha e azulejos do século XVII podiam ser encontrados na areia da praia. Hoje três deles enfeitam a parede de minha varanda.
Escolhendo andar pela esquerda, à beira do mar, em direção a Gameleira, a caminhada não é tão prazerosa, já que a praia, muito acidentada, não convida ao banho.
Chega-se a singela capela de Santo Antônio dos Velásquez que as marés ameaçam a cada dia mais um pouco. Com seu telhado de bem-vinda - o copiar como dizem os especialistas - lembrando a capela da Ajuda, em Cachoeira, é uma visão tão triste quanto linda, pois é evidente que em breve terá desaparecido, tragada pelas águas da baia.
Naquele dia, sol forte batendo nos ombros, tinha ido até o Jaburu, mas a fome batendo, fora obrigado a voltar a Mar Grande para cheirosa moqueca em algum boteco. As águas vazantes haviam-se retirado. Longas línguas de areia cinzenta alternavam com lajes calcárias cobertas de verdes algas. Estas, habitadas por uma multidão de insetos e moluscos, todos muito ocupados em abusar do sol e do sal, vibravam com intensa vida.
Coloquei a toalha nos ombros para não chegar feito lagosta cozida à modesta pousada do Gaúcho, único resort que a fortuna me permitia.
Lá estava ela, solitária, à minha espera, em evidência, como ofertada pelos deuses da natureza. Sol, Mar, Ventos. Nada havia de parecido, nem de longe, em toda a redondeza. Arredondada, enrolada em si mesmo, compacta e absoluta como o símbolo do Eterno Recomeço.
Aproximei-me devagar. Não seria algum gigantesco caramujo expulso das profundezas marinhas pelo equinócio? Toquei-a com a ponta do pé. Não se mexia. Abaixei-me para examiná-la com cuidado. Era só uma pedra, um seixo. Só? Não.
Era algo habitado, nascido de forças obscuras, em frontal contraponto com a branca luminosidade do meio dia. Nela, porém, nada de inquietante. Somente uma pergunta feito pedra.
Peguei-a - pesada! - e coloquei-a no meu chapéu para evitar olhares gozadores. Andei por longo tempo, andei, até chegar a Mar Grande.
O gaúcho e esposa nada comentaram. Gringo é assim mesmo, cheio de esquisitices.
Há trinta anos que ela está em lugar de destaque na minha sala.
Todos os que a viram, geólogos, pedólogos, biólogos, doutores e curiosos mil, deram doctíloquos e dessemelhantes pareceres.
Na verdade, ninguém sabe o que é nem como foi concebida.
Desta incógnita, sua beleza é acrescida.
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