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16/04/2008 às 22:04

OS 30 ANOS DO OLODUM - GRITO DE GUERRA

Tasso Franco é do diretor deste site

Tasso Franco

 Olodum vai completar 30 anos de existência, em 25 de abril de 2009. Organizado por um grupo de jovens residentes no Maciel do Pelourinho, em 1979 (à frente Carlos Alberto Conceição do Nascimento, seu primeiro presidente) com o duplo objetivo de brincar o Carnaval e integrar-se na onda "black-soul" norte-americana e reafricanização da juventude negro-mestiça baiana, seguindo a trilha aberta pelos pioneiros Moa do Catendê e Ilê Ayê nessa mesma década dos anos 1970, hoje, o Olodum é grupo brasileiro do movimento negro com maior visibilidade no exterior.

O Olodum constituiu-se, na atualidade, numa Organização Não Governamental com pernas que abraçam o trabalho social no centro histórico de Salvador, o ramo institucional que cuida das relações com o poder e conseguiu, entre outras vitórias inserir na Constituição da Bahia o Capítulo do Negro, a banda, a escolinha, a Casa Olodum e as publicações. Deixou de ser aquele bloco carnavalesco que deu os primeiros passos no Carnaval de 1980, com um grupo de negros-mestiços desfilando no Carnaval de forma organizada, para ser uma instituição com característica de Grupo Cultural.

Houve, portanto, uma evolução significativa, um amadurecimento de tudo que cerca o Olodum, com essa nova concepção ainda que, o Carnaval de Salvador seja a vitrine, o espaço inspirador da poética do grupo, o móvel que faz com que os integrantes desse conjunto de valores - compositores, músicos, instrutores, dirigentes, etc - permaneçam unidos dentro de um ideal comum, hoje mais distanciados do "black-soul" e mais integrados na memória e nos ideais do líder negro norte-americano, Martin Luther King, assassinado em 1968, e ícone mudial ao lado de Nelson Madela, na luta pelas desigualdades raciais.

Seu atual presidente, João Jorge, tem escrito sobre o tema com frequência, é crítico mordaz do modelo que se estabeleceu no Carnaval de Salvador a partir dos anos 1990, com domínio do mercantilismo e da axé música, embora, o grupo que dirige, sempre dispôs de espaço midiático e grande visibilidade. Na atualidade, o Olodum integra um conjunto de entidades, de matriz negro-mestiça baiana que tenta sobreviver na maior festa do planeta conseguindo angariar patrocínos públicos e privados , e também interagir os seus participantes com o evento numa forma de lazer, com direitos para todos nos espaços dos circuitos oficiais da folina.

As comemorações dos 30 anos do Olodum obedecerão um calendário que vai de 25 deste ano até 25 de abril de 2009, com data símbolo para a marca 30 anos no Carnaval que se aproxima. A proposta da entidade, ainda em formatação é promover ao longo desse período um festival internacional em Salvador, apresentações da banda no Brasil e exterior, aprofundamento do trabalho social e novas publicações temáticas em livros, internet e CDs/DVDs. Um projeto ambiocoso que demandará patrocinados privados, apoio do Ministério da Cultura, do Governo da Bahia e da Prefeitura de Salvador. Nada mais justo. João Jorge conhece as naturais dificuldades para encarar um projeto dessa natureza, mas está confiante e vai brigar por ele.

O grupo contabiliza em seu currículo feitos notáveis como a gravação com Michael Jackson, em 1996, no Pelourinho; a gravação no Central Park, NY, 1991, com Paul Simon; e a participação em duas Copas do Mundo de futebol, na Coréia/Japão (2002) e Alemanha (2006). Esses três momentos levaram o grupo a ser conhecido no mundo ocidental e abriu às portas para que se apresentasse, ao longo dos anos, em 31 países, na América Latina, Estados Unidos, Canadá, Europa e Ásia. No Brasil, também graças a sua presença no Carnaval, as apresentações com Jackson e Simon, recebeu o apoio da Rede Globo, do chefe da equipe esportiva Galvão Bueno, o qual, colocou-o como uma espécie de pé-quente, banda madrinha, da Copa do Japão/Coréia. E todo o Brasil viu, cantou e se entusiasmou com os meninos do Olodum.

Esse é o Olodum que está convidado especial da Fifa para abrilhantar a Copa do Mundo que acontecerá na África do Sul, em 2010. A entidade tem braços empresariais em Viena (Áustria), Estados Unidos e Japão para promover os seus shows e apresentações. Ssua agenda internacional é mais lotada do que no Brasil. João Jorge não entra no mérito dessa questão, pois entende que a força do mercado foi quem produziu esse efeito, mas, tem uma ponta de mágoa, ao verificar que não há um reconhecimento da Bahia e do Brasil por esse trabalho. Situa, como causa pétrea e que não abre mão, a criação do samba reaggae que é uma marca da Bahia, da verdadeira Bahia, e esse fato precisa de um maior reconhecimento.

Não há críticas a quem quer que seja, diretamente, no pensamento de João Jorge. Porém, quando ele vê investimentos da Bahia sendo direcionados para um Carnaval em Portugal, com predominância de grupos da Axé, situa duas questões básicas e que deveriam ser levadas em consideração dos organizadores de tal "expedição". Primeiro o país onde se fará o Carnaval, de longe é uma porta que não representa a entrada da Europa; e segundo o fato de que se é pra fazer uma manifestação da cultura baiana, o samba reaggae tem que se situar em primeiro plano.

A tese do presidente do Olodum tem sentido. Mais valeria investir-se no Carnaval em Notting Hiil Gate, bairro ao Sul de Londres e que já tem uma tradição de anos, propulsor na difusão de carreiras de bandas do Caribe e da África, do que promover um Carnaval português num país que não comanda o mercado musical na Europa, não apita no cenário cultural, não tem cartas de peso no âmbito dos negócios e vive socorrendo-se dos fundos da Comunidade Européia. Ademais é fraco emissor de turistas ao Brasil, distante algumas léguas dos nórdicos, dos italianos e dos alemães.

O Olodum observa. O Olodum se movimenta. Tem 365 dias a partir do final deste mês para dar brilho às 30 velinhas do seu aniversário e não abrirá mão dos seus princípios básicos e da luta pela afirmação do negro-mestiço baiano, trabalho que foi presenciado, recentemente, pela secretária de Estado norte-americano, Condoleezza Rice, e que só deixou Salvador da Bahia depois de ouvir a batida do samba-reggae do grupo. Mais um abre-alas poderoso para o Olodum no exterior, ainda que, o maior desejo do grupo é ser reconhecido no Brasil e, em particular, na Bahia.


https://bahiaja.com.br/artigo/2008/04/16/os-30-anos-do-olodum-grito-de-guerra,188,0.html