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06/01/2007 às 18:35

AS DORES DO MUNDO

A jornalista passou por experiência inédita em orfanato e, hoje, tem outra visão do sentimento das crianças orfãs.

CÍNTIA MELO



Reuni muitos brinquedos - bonecas semi-novas, jogos completos, de uma fase que minha filha não brinca mais - e roupas também. O resultado foi um porta-malas cheio de sacos. Senti-me uma mamãe noel.


Antes do Natal, fui ao orfanato de D. Nilzete, na Baixa de Quintas, em companhia da amiga Vanessa, que já o freqüentava. Passei por uma experiência intensa e de comoção. Não estou sendo piegas, apenas humana e tentando acertar a palavra exata para definir o que senti.  


Descobri que tudo que levara era secundário para às crianças. A ansiedade por atenção foi uma estucada na alma. Muitos beijos, abraços, pedidos de colo, o desespero delas por não poder apanhá-las foi cortante. Elas precisavam de amor e, não apenas, de todos aqueles sacos de brinquedos. Chorei. Não consegui controlar-me.


"Tia porque está chorando?"  Ouvia por muitos lados. "É meu dodói", respondi desolada, levantando a blusa e mostrando um sinal que acabara de retirar a poucos dias. Todas queriam ver o tal pedaço de esparadrapo. Algumas crianças me colocaram sentada na cama, acariavam-me e me diziam: vai passar, não vai doer mais, não segure Murilo no colo porque pode piorar.


Doeu. Machucou ter de sair dali e deixar para trás os olhos suplicantes das crianças, principalmente de Murilo - um bebê negro de quase um ano - fortemente agarrado ao meu pescoço com medo de deixá-lo, como o fiz. Seus olhos de apelo, de desejo por um carinho, de um pedido decifrável nunca hei de esquecer.


Voltarei ao orfanato pra doar um pouco de carinho e atenção, segurar as crianças no colo, conversar e compreender suas necessidades. Embora, bem mais preparada e sabendo o que tenho que levar, nem tanto nas mãos, mas no coração. Elas fazem parte "das dores do mundo", refrão da música homônima do Jota Quest. Só que não dá pra esquecer, como diz a letra da romântica cânção.


Cíntia Melo



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