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01/03/2008 às 13:14

CHICO PINTO: UM SILÊNCIO, UMA PALAVRA

Cláudio Leal é jornalista (claidoleall@yahoo.com.br)

Cláudio Leal

   Leito de hospital. O ex-deputado federal Chico Pinto tem uma revista à mão e interrompe a leitura ao menor barulho da porta. "Rapaz, eu estava mesmo lhe procurando!".

   Deseja registrar nossos papos informais sobre sua vida pública, antes que seja recolhido pelo silêncio. Melancolia e inquietação, três horas e meia de depoimento. Esbarro em um rio incontido de histórias.   Penso que Chico Pinto era nutrido por palavras. Sua insônia teria nascido dessa angústia de compreender, verbalmente, o mundo?

   Sebastião Nery me descreve o companheiro de prisão no quartel do Barbalho, em 1964: cigarro aceso, às vezes falava sozinho, madrugada afora. Com quem debatia? "Deus", a resposta de Chico. E convidava Nery a perder uma noite. Porque uma noite também se perdia com palavras.   A ironia mal se fazia esconder no sorriso de beato. Traz saudade a conciliação do discurso de esquerda com a crença mais profunda no humor.
 
   No leito, força o gogó para cantar o jingle da campanha a prefeito de Feira de Santana, em 1962: "Pinto, ô Pinto, querem te passar pra trás, Pinto, ô Pinto, querem te roubar a paz...". Esquece o resto da letra, volta à lembrança das conspirações com militares nacionalistas.   O militarismo marcou os anos juvenis de Chico Pinto.

   Nasceu sob as estrelas de 1930, ano da Revolução. Para compreender seus diálogos na caserna, é preciso situá-lo como um brasileiro que testemunhou os tenentes no poder e assistiu às intervenções militares do Estado Novo a 1964. No MDB (Movimento Democrático Brasileiro), estudou a presença do Exército na política, municiou-se com o ideário nacionalista.  

    Bem mais remota era a ausência de preconceitos com o fardão. Em menino, se encantava com os desfiles militares. Ouço-o explicar:   - Eu tinha o maior encantamento pela farda. Achava bonito, admirava. Portanto, esse sentimento infantil me desarmou, eu não tinha ódio dos militares. Havia até respeito.   S

   ua saída da política, em 1990, coincide com as ruínas da Guerra Fria e a retomada do civilismo no Brasil. Outro mundo. Mas sua geração política - principalmente a parcela que conduziu a resistência democrática no MDB - deixou uma herança rejeitada pelos novos líderes: a defesa e a prática dos princípios republicanos.  

   Insistia em defender a República dos seus detratores e da lamúria do ex-senador Saldanha Marinho: "Essa não é a República dos nossos sonhos!".   - Sempre me irritou a idéia de que o povo assistiu bestializado à proclamação da República. É um erro. Porque as idéias repúblicanas estavam disseminadas na sociedade. Não houve surpresa coisa nenhuma.  

   Chico olhava para a frente, tirânico com o tempo que lhe restava. Não cogitava a morte; essa indiferença tornou sua despedida ainda mais terna. "Quando eu sair daqui, vamos voltar a nos reunir", repetia à amiga Olívia Soares.

   Ao lado da mulher e da filha, recebeu os amigos fundamentais, refletiu sobre o cigarro e os homens. Um velho companheiro de MDB -  também de vitamina de abacate e bolinho da Cubana - lhe fez uma confissão de silêncio e tristeza:   - Tenho andado calado, Chico.   - Por quê? Não pode. Deixa eu sair daqui! Vamos voltar a discutir o País...  

   Três horas e meia, a despedida, o avião à espera. Com um pé no corredor, volto a saudar Chico Pinto. Fagulham os olhos. "Deus lhe gratifique", diz-me. Por questão de princípios, Chico completa a frase: "Se é que você acredita Nele!". Puxa a coberta ao peito, desdenha da fraqueza pulmonar, abre o sorriso que me faz merecer a desconfiança de Deus.


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