Sete mortos. Corpos estendidos adornados com as cores - vermelha, azul e branca - de uma paixão. Caíram por um buraco aberto no chão de cimento em que pulavam de felicidade de olho na deusa-bola. A laje de um dos degraus do anel superior da arquibancada da Fonte Nova, apodrecida pela ação do tempo e pelo descaso com a coisa pública, ruiu.
Por Deus a tragédia não foi ainda maior, pois, no instante da queda de cerca de 10 pessoas pela fenda aberta bem no meio da Bamor, a mais entusiasmada das facções da imensa torcida tricolor, o jogo estava por terminar e os mais de 60 mil espectadores, sem ao menos perceber o ocorrido, cantavam, sacudiam bandeiras e camisas, e pulavam enlouquecidos de alegria pela classificação tão sonhada e sofrida do amado Bahêêêa à série B do futebol brasileiro. Os portões do "xaréu" tinham sido abertos e os mais fanáticos apenas esperavam o apito final do juiz para invadir o gramado e comemorar.
Seguiram-se cenas inadmissíveis de descontrole da multidão e atentado à vida. A massa é imprevisível e capaz de tudo sob o efeito de uma emoção maior, todos sabemos. Mas permitiram a invasão do campo de jogo. Torcedores ensandecidos pulavam o fosso e os lances de arquibancadas, quebrando ossos, atropelando-se e protagonizando atos de destruição do patrimônio público - traves, redes, carrinho-maca, abrigo dos banco de reservas, até nacos do gramado foram arrancados como "lembranças".
Além dos mortos, dezenas de feridos encheram os hospitais na noite do domingo, triste exemplo e péssima recomendação quando se fala em Copa do Mundo no Brasil e o estado se candidata a sediar alguns jogos e até uma partida da seleção canarinho pela eliminatórias em curso da Copa 2010. No mesmo velho estádio Octávio Mangabeira, palco de glórias, tragédias e exercício de muita incompetência e irresponsabilidade na gestão da chamada "coisa pública". Assumamos.
Por exemplo: É balela e enganação dizer que tinham apenas 60 mil pessoas no estádio. Não eram menos de oitenta mil. "Por fora", pagando ou "agradando", entram pelos vários portões da Fonte Nova, a cada jogo, milhares de pessoas. Até pelos portões chamados "oficiais", de credenciamento. Todos sabem disso. Para se ter uma idéia, no domingo da tragédia, o espaço de trabalho limitado aos profissionais de imprensa, sob o (des)controle da ABCD-Associação Baiana dos Cronistas Desportivos, foi invadido por crianças, famílias, "perus" em geral, jovens alheios ao trabalho embriagando-se com copos e copos de cerveja circulando. Ora, isso tudo dentro de um ambiente restrito e controlado por entidades, seguranças, portões, credenciais etc... Imaginem o que pode ocorrer noutras áreas comuns do estádio.
No fim do ano passado, aquele anel superior de arquibancadas foi condenado e ficou interditado alguns meses, sem receber público. Mas este ano a área foi lavada, recebeu uma tinta e terminou liberada ao acesso público sem que fosse feito nenhum trabalho estrutural de engenharia, de recuperação.
A Fonte Nova foi construída no início dos anos 50, mas o anel superior de arquibancada foi inaugurado em março de 1971, com a presença do então presidente da República, o general Médici e jogos dos dois times de devoção do ditador, o Flamengo e o Grêmio.
No primeiro jogo o Bahia venceu o Flamengo por 1 x 0 (Zé Eduardo marcou no gol da ladeira). O Vitória x Grêmio foi interrompido aos 19 minutos do primeiro tempo, quando a multidão entrou em pânico aos gritos de que a arquibancada estaria desabando depois de um estranho barulho (uma bomba? uma lâmpada teria explodido?) acontecido exatamente naquele espaço hoje ocupado pela Bamor. O campo ficou coalhado de feridos e o número exato e reduzido de mortos foi "decretado" pela censura militar da época. Dezenas de torcedores se atiraram do alto para fora do estádio ou para o vão das arquibancadas inferiores( eu estava lá e vi) mas a realidade foi "abafada", eram tempos cinzentos.
Em outubro do ano passado, o Bahia, já na terceirona, perdia o jogo contra o Ipatinga por 2 x 0 quando alguns torcedores apaixonados da Bamor conseguiram invadir o campo para chorar e protestar, mas a PM agiu com descontrole atirando bombas de gás contra a torcida, provocando um tumulto com pedradas e cenas de selvageria mostradas pela TV para todo o país. Na época, o estádio foi fechado e os técnicos recomendaram a interdição para estudos e obras de recuperação de estruturas, condenadas porque placas de cimento das arquibancadas estavam se soltando, exibiam rachaduras e os ferros, oxidados, estavam à mostra.
Este ano fizeram a "meia-sola": deram jatos d'água para tirar o limo, pincelaram um belo degradê azul, deram o "ok" (quem liberou e em cima de que parecer técnico?) e, rodada após rodada, a torcida botou mais de 60 mil pessoas num estádio arcaico e de (des)manutenção precária, lotando e testando aos pinotes a arquibancada, enchendo os cofres do clube e da Sudesb, para "alegria de todos e felicidade geral" da nação tricolor. Deu no que deu.
Promovendo a depredaçances de arquibancadas, quEbrando ossos, atropelando-sem perceber o ocorrido, cantavam, sacudiam bandeiras Não vale, nesse instante, o manjado discurso político tirando o fiofó da reta e culpando Octávio Mangabeira, Balbino ou ACM pelo acontecido. Até porque, só olhando e remoendo o passado não se constrói o futuro. É hora de assistir devidamente as famílias enlutadas, tomar decisões e arregaçar as mangas. A velha e gloriosa Fonte Nova merece um diagnóstico técnico profundo, com sustentações abalizadas de engenheiros, arquitetos, urbanistas e suas entidades representativas.
E rápido, porque futebol é o grande deleite do povão na Bahia.
Paroano tem campeonato baiano, Bahia na segunda e Vitória na primeira. A torcida quer sua alegria, mas exige respeito e segurança! E ela mais do que merece!
Recupera-se, reconstrói, projeta-se outro estádio moderno e seguro no mesmo espaço?
Ou vamos ficar esperando o carnaval chegar?
https://bahiaja.com.br/artigo/2007/11/26/alegria-e-dor,147,0.html