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15/04/2021 às 13:38

ADEUS A UM AMIGO VÉI (A RENATO PINHEIRO), por ZÉDEJESUSBARRÊTO

Assim, amigo véi e irmão Tricolor, não vai ter mais a hospedagem prometida e combinada, em Portugal, a acolhida boa com a amada Luci Bruni

ZédeJesusBarrêto

     “Não vai dar mais, meu velho!”


    Foi a última coisa que ele me disse, em sonho, semana antes de o corpo apagar de vez, aos 69 anos. Olhos abertos, liguei para o “filhão” Renan que, voz entristecida mas tranquilo, me disse: - Está nas últimas, Barretinho; seu amigo já não fala, não reconhece ninguém, espera a hora. Fiz-lhe um afago sem graça e calei.

   Na segunda, 12 de abril, de manhã, o telefonema do filho amado, dedicado: - Seu amigo se foi, há pouco. Estremeci. “Ele vai estar a vida inteira a seu lado, acredite”, foi o que consegui dizer, entalando. Certas criaturas não morrem. 

  “Não, não vai dar mais, meu velho!”. Assim ele me tratava, com sua voz alta, bem de perto, olhos nos olhos, convicto e convincente, ar de guerreiro, incandescente... e doce. Renato era dessas figuras fortes, marcantes, que deixam faíscas onde passam. Sabia cativar, seduzir e como dizer as coisas todas, mesmo as mais duras, com palavrões, sem cerimônias e sem censuras; o riso aberto aplainava possíveis arestas. Era-me um amigo a quem podia falar tudo e de quem podia também ouvir tudo: gracejos, impropérios, ironias, tiradas inteligentes, sacadas criativas, inusitadas, verdades, culhudas e confidências. Sem segredos.

 Um puta jornalista! Aceso, bem informado, ético, decente e leal, redator de texto irretocável, capaz de brigar por uma vírgula, indomável. Conhecemo-nos por volta de 72/73 na redação da Tribuna da Bahia, onde chegou repórter ao lado dos amigos Luis Augusto d’Almeida Gomes e Raimundo Daniel da Costa Mazzei (fui chefe deles um dia, acreditem, como esquecer os nomes?). Trio crepitante. Ar de rebelde, cabelos alourados grandes, camisas soltas, sandálias de couro, cigarro, inteligência pura, exalante. 
 *
  “Não vai dar mais, meu velho; Tá entendendo?”

 Assim, amigo véi e irmão Tricolor, não vai ter mais a hospedagem prometida e combinada, em Portugal, a acolhida boa com a amada Luci Bruni, os passeios programados, o bacalhau de Lisboa, o vinho do Porto ...  tínhamos acertado tudo, antes da pandemia e da agonia. Foi. 

 “Não vai dar mais, meu velho!”  E nunca mais o almoço, o jantar tantas vezes (des) marcados, a peixada, o arroz de hauçá, a conversa jogada fora, a camisa tricolor, as lembranças, a vida alheia, as sacanagens, as risadas soltas, as avaliações desse Brasil cada vez mais incompreensível ... “assim não dá, meu velho, tá entendendo?” 

  Não vai ter mais a ida combinada à Solisluna para negociar a feitura daquele livro de poesias feitas para a mulher amada; tampouco aquele outro, maravilhoso, com fotos, relatos das inúmeras viagens feitas por esse mundão afora - até um passeio de trenó na morada de Papai Noel.  Não mais, meu velho, mas foi bom. 

  Não dá pra esquecer tantas idas, com sofrências, indignações e gritos e abraços de gol na Fonte Nova, em Pituaçu, o amor comum e repartido pelo nosso Bahia. Como foi bela a sua viagem a Porto Alegre para ver de bem perto o nosso Bahêa sagrar-se Bicampeão Brasileiro em cima do Colorado no Beira Rio. Sei que seus gritos ajudaram na conquista da segunda estrela dourada gravada no peito sobre o escudo sagrado. Já sinto falta das resenhas pelo telefone, varando madrugadas, a cada jogo sofrido do nosso esquadrão, paixão pura, incontrolável. 

  Teve a convivência nas redações, os babas, as coberturas de eventos e personagens em tempos sombrios (eu pelo Estadão, Veja, você pelo Globo), partilhas, trocas de informações... Teve sim, a primeira campanha de Waldir governador ( “já comi, já bebi, agora vou votar em Waldir”), aquela outra do “Pato Rouco” (Virgildásio), outras tantas mais depois; a inesquecível aventura do louco e único Jornal da Pituba (ao lado de Vander, Césio...), a viagem tresloucada da equipe ao Rio (com Soninha de fotógrafa) para entrevistar João Gilberto, tudo acertado, e entrevistamos até Pelé, Zizinho, Chico, Darcy... até o Cristo Redentor, menos o João que não nos abriu a porta. E quantos debates, trabalhos divididos, a generosidade de sempre, a fumaça sempre abençoada ... 

  Ah, compadre, “não, não vai dar mais, meu velho”, mas deu, ficará para sempre. Bem guardado, no peito, no coração dos amigos. Quero agradecer, por tudo. Ter nesta vida lhe conhecido, conviver e trabalhar com você foi um aprendizado, sempre, chance de amadurecimento. Obrigado, amigo véi. 
Meu beijo. 


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