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26/09/2007 às 17:09

MULHER E ARTE, UM VÍNCULO QUE SE RESGATA

Lígia Aguiar é artista plástica

Lígia Aguiar

  Mulheres em Movimento é o título da exposição coletiva que faz parte das comemorações dos 130 anos da Escola de Belas Artes da Bahia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em cartaz na Galeria Canizãres com visitação até o dia 18 de outubro.


A mostra traça um panorama da contribuição das mulheres às artes plásticas das décadas de 40, 50, 60 e 70, e também servirá de base para um mapeamento das artistas plásticas baianas, desses períodos.


São 42 artistas que se destacaram em suas respectivas gerações, com as diferentes formas de expressão:
 

Lygia Sampaio, da década de 40, foi o maior destaque feminino do grupo inicial do movimento dos artistas modernos baianos, juntamente com Mario Cravo Júnior, Carlos Bastos, Genaro de Carvalho, Mirabeau Sampaio e Caribé.

Maria Célia, (in memorian), da geração de 50, mais tarde, se juntou ao grupo que nessa época estavam incorporados Jenner Augusto, Raimundo Oliveira, Rubem Valentim, e outros, além de Jacyra Osvald, Iza Moniz e Maria Carrano. Dos anos 60, Edsoleda Santos, Sonia Castro, Lygia Milton, Yêdamaria e outras. De 70, Ângela Cunha, Denise Pitágoras, Graça Ramos, Lígia Aguiar, Maria Adair, Márcia Magno, Sonia Rangel, entre outras.


Essa reunião de artistas mulheres nos faz refletir, que, ainda hoje, se constata a falta de registro nos melhores livros de História das Artes das artistas mulheres no mundo. Isso é cultural. É histórico. Através dos séculos, elas viveram em sociedades patriarcais onde não lhes eram atribuídos nenhum valor. Aos homens, sim, eles sempre tiveram o maior destaque, os maiores talentos e merecedores de elogios.


Quando estudamos as várias fases da arte, quase não encontramos citações de artistas mulheres. São raros os autores que valorizavam o talento feminino.


Quantos tiveram conhecimento de artistas como as renascentistas Sofonisba Anguissola,(1532-1625) e Artemísia Gentileschi, (1593-1653), o primeiro grande nome da pintura feminina? das Impressionistas Mary Cassat (1845-1926), Berthe Morisot (1841-1895) e Suzane Valadon (1865-1938)? Das brasileiras reveladas na época imperial, Abigail de Andrade, Julieta de França e Georgina Albuquerque?


Não podemos deixar de citar as mulheres que tiveram seus nomes vinculados aos de artistas famosos, como Camille Claudel (1864-1943) e Auguste Rodin (1840-1917), Frida Khalo (1907-1986) e Diego Rivera (1886-1957). Ligações conflituosas regadas a escândalos, essas mulheres só tiveram seus reconhecimentos tardiamente.


Estes exemplos ratificam o papel secundário imposto pelos padrões de moral vigente. Eram coadjuvantes, quando, na verdade, seus talentos apontavam-nas como protagonistas.
 

Já na época moderna é que estes nomes vieram à tona. Avalio que ainda hoje existam muitos nomes adormecidos através da história.


No entanto, no decurso de cinco séculos de arte, os artistas consagrados tinham como tema preferido a mulher. Aí sim, elas podiam posar para retratos feitos por pintores contratados pela família, seguindo um padrão da época, muitas vezes imitando os hábitos da família real.


Uma tese de doutorado defendida por Ana Paula Simioni/USP aborda muito bem este assunto no período compreendido entre 1884 e1922, no Rio de Janeiro.


Tal qual a história de Camille Claudel, outras semelhantes aconteceram no Brasil. Alguns nomes surgiram após uma intensa pesquisa feita nos dicionários artísticos brasileiros e em catálogos e documentos da Academia Imperial de Belas-Artes, que, com o advento da República, transformou-se em Escola Nacional de Belas-Artes. "Minha curiosidade sobre o assunto foi decorrente da observação de que, a despeito de os dois maiores nomes das artes plásticas do Modernismo ser femininos (Tarsila do Amaral e Anita Malfatti), não se ouve falar de pintoras mulheres anteriores a elas", explica Ana Paula. "Comecei a indagar se essas modernistas teriam vindo do nada", continua.


A pesquisadora constatou que "muitas mulheres foram excluídas dos registros históricos (os dicionários). Daí, possivelmente, pouco ou nada ter se ouvido de outros nomes femininos antes de Tarsila e Anita," conclui.


O estudo aponta ainda, para a hegemonia artística do eixo Rio - São Paulo, problema que afeta, até hoje, os artistas que vivem fora desse centro.


Percebeu também que nesse período - final do Império e início da República -, as histórias das artistas estavam associadas à história da educação feminina.  Nas escolas formais elas eram treinadas para as prendas do lar. Foram proibidas de freqüentar escolas de belas-artes em razão das aulas de modelo vivo, que não eram recomendadas para a educação moral das moças. Só após a proclamação da República é que o ensino institucional foi liberado.


Na fase do Império, as mulheres eram consideradas amadoras e não podiam se envolver em escândalos ou nem executarem trabalhos considerados de valor artístico maior que os dos homens. Eram curiosamente relegadas ao esquecimento. Contribuíram para isso, também, as famílias que tratavam de apagar quaisquer vestígios deixados das suas vidas artísticas, ficando assim, a História da Arte hegemônica quanto ao gênero masculino.


Com o passar do tempo o movimento feminista forçou a revisão desses conceitos de valor da arte contemporânea e da História da Arte. Mesmo assim, as mulheres não tiveram o merecido reconhecimento do seu talento.


 Mulheres em Movimento realça a teoria de que as artistas mulheres estão neste século ainda fadadas ao esquecimento. Quantas dessas artistas são conhecidas do grande público? Quantas dessas artistas estão catalogadas? Por que a maioria não está atuando no mercado de arte?

Faz-se necessário realizar em Salvador uma grande pesquisa sobre este panorama, com o intuito de resgatar a presença feminina no cenário das artes baianas, e que eventos dessa natureza sejam produzidos, com maior freqüência, para estimular e oportunizar a reintegração dessas mulheres ao convívio da arte.


EXPOSITORAS

DÉCADA DE 40 - LYGIA SAMPAIO.

DÉCADA 50 - MARIA CELIA CALMON (in memorian), JACYRA OSWALD, MARIA CARRANO e IZA MONIZ.


DÉCADA DE 60 - MARISA FERNANDES, CORREIA, ADÉLE BALÁZ, ANA MARIA VILLAR, CÉLIA AZEVEDO, DAGMAR PESSOA (in memorian), EDSOLEDA SANTOS, HAYDÉE VALENTE, LIGIA M. MILTTON, LIANA BLOISI, MERCEDES KRUSCHEWSKY, MARLENE CARDOSO, MARIA HELENA FLEXOR, MARGARITTA LAMEGHO, ODETTE SAMPAIO, SONIA CASTRO, YÊDAMARIA, ZELIA MARIA e VERA LIMA.


DÉCADA DE 70 - ANGELA CUNHA, BERNADETH CAMPELLO, CARMEN CARVALHO, DENISE PITÁGORAS, GRAÇA RAMOS, GRACE GRADIN, HILDA OLIVEIRA, HILDA SALOMÃO, IZA GUIMARÃES, LIANE KATSUKY, LIGIA AGUIAR, LISIA ROCHA, MARCIA MAGNO, MARIA ADAIR, MALIE MATSUDA, ROSA ALICE FRANÇA, SONIA RANGEL,

SOFIA OSLZEWSKI (in memorian) e TEREZINHA DUMET.

 
 
 


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