Quando Neguinho do Samba partiu para o além, os tambores do Olodum não se calaram... eles rufaram para que os Deuses o acolhessem com alegria. Antônio Luís Alves de Souza – o nosso Neguinho do Samba era chamado
carinhosamente por Carlinhos Brown, de Neguinho do Samba-Reggae. Era filho de um tocador de bongô e de uma lavadeira, ambos moradores da Avenida San Martin, próximo à ladeira do Ilê Aiyê no Curuzu.
Começou sua carreira na música construído “uns tamborizinhos de lata de leite com câmara de ar”, como ele dizia sempre. Antes de chegar ao Olodum passou por blocos, à época, também de percussão, como Corujas, Internacionais, Ritmistas do Samba, Apaches do Tororó, Escola de Samba Diplomatas de Amaralina e Ilê Aiyê. Já nesta época, se incomodava com o que chamava de “falta de criatividade dos percussionistas baianos”, por simplesmente copiavam os ritmos das escolas de samba do Rio de Janeiro.
Ainda moleque e, por acaso, descobriu o vime como sua baqueta. E a partir daí sua batida percussiva ficou inconfundível. Deu um mergulho na rampa do Mercado Modelo, com o vime preso à cintura. Depois, ao tentar quebrar com as mãos não conseguiu, contrariando, assim, ao adágio popular que diz “quebro, mas não envergo”.
A partir daí, nasciam as primeiras células percussivas do exuberante ritmo SambaReggae, com uma cara própria, singular, fresca, inaugural e potente. Um achado em termos de reorganização e síntese de acentos rítmicos numa mesma batida que balança as massas como nenhum outro ritmo.
No Olodum, Neguinho do Samba fez história. Projetou-se, ao tempo que projetou o Brasil, a Bahia e a música baiana para os quatro cantos do planeta, tendo seu talento reconhecido por grandes astros da música internacional como Paul Simon – que gravou com ele o hit "The Rhythm of th eSaints"-, David Byrne, Wayne Short, Sadao Watanabe e, por fim, Michael Jackson - para quem fez o arranjo da música "They don't careabout us", cujo clipe foi gravado no Pelourinho e exibido no mundo inteiro. E assim, ultrapassando as fronteiras do Brasil, expandiu sua sonoridade,
abrindo novas perspectivas para a música feita na Bahia.
A batida do samba-reggae, tendo como elementos centrais os surdos e as marcações, cujo comprimento e diâmetro foram reinventados por ele e afinados de acordo com as notas do contrabaixo, as caixas, timbaus e repiques, a funcionar como guitarras e teclados, remetem a uma identidade africana, a uma luta social e a uma
africanidade pós-contemporânea e poderosa, capaz de promover uma revolução negro-mestiça que clama pelo respeito, pela diversidade étnica, religiosa e cultural.
Por fim, a morte precoce de Neguinho do Samba, em 31 de outubro de 2012, aos 54 anos, nos leva a refletir a respeito de uma peculiaridade dos brasileiros, que mais uma vez demonstraram que “sabemos como ninguém fazer homenagens póstumas”, ou seja, reconhecer o mérito naquilo perdemos.
Com raras exceções, Neguinho nunca foi lembrado com destaque ou recebeu homenagens dignas da sua contribuição musical para o país, mas fica sua inegável marca espalhada pelo Brasil e pelo mundo, de diversas formas, pois o samba-regae é presente e influente na música brasileira produzida nas últimas décadas. O seu ritmo, além de ter influenciado o surgimento da Banda Nação Zumbi e encantado a personalidades musicais do porte de Adriana Calcanhoto, Caetano Veloso e Moraes Moreira, além de muitos outros, transformou a Banda Olodum em uma espécie de embaixador cultural do Brasil.
Por iniciativa do vereador petista Gilmar Santiago, 31 de outubro foi instituí com Dia Municipal Samba-reggae, em homenagem ao legado do saudoso mestre Neguinho da Samba.
Que viva Neguinho do Samba Reggae!!!!!
*Marcelo Gentil é licenciado em história pela UCSAL, é especialista em gerência social para
afrodescendentes da América Latina e Caribe (INDES/BID – EUA), foi diretor de Estudos,
Projetos e Pesquisas da Fundação Cultural Palmares/MinC e é vice-presidente do Olodum
https://bahiaja.com.br/artigo/2017/11/01/neguinho-do-samba-reggae-o-maestro-dos-tambores,1058,0.html