06/08/2017 às 19:51
Passagens de Luis Melodia por rua do Sodré
Fernando Conceição é jornalista e professor da FACOM UFBA
LUIZ MELODIA acho que virou mesmo um astro da música popular brasileira (MPB) tocado em todas as rádios do país com a canção “Juventude transviada”, de 1975.
Morto aos 66 anos esta semana, em decorrência de um câncer na medula óssea num hospital do Rio de Janeiro, sua cidade, ele jamais soube de minha admiração por ele.
Era tal que o cito na página de homenagem e agradecimento a pessoas que me inspiraram na escrita de meu segundo livro, Negritude Favelada – a questão do negro e o poder na “democracia racial brasileira”, publicado em 1988:
“A Luiz Melodia, que já entende a juventude transviada”.
Essa inspiração era maior por, além de suas músicas embalarem aquele período adolescente de minha existência – por vezes ao lado da então mulher amada -, Luiz Melodia nos anos 80 se tornou próximo de nós, soteropolitanos.
Capa, produzida pela agência Propeg, do livro dedicado ao cantor em 1988. Curiosidade: a criança da foto, do Calabar, tornou-se adolescente, foi envolvida na criminalidade e assassinada ainda jovem
Não havia um Verão que, dia após dia, todos aqueles anos, não víssemos sua figura magricela de corpo à mostra, batendo ponto numa afamada birosca da Rua do Sodré, tradicional artéria da Salvador antiga. Tímidos, jamais o abordamos.
A rua é a mesma onde está o casarão no qual, já adoentado, morou e morreu Castro Alves, “O Poeta dos Escravos” (1847-1871).
Geralmente a única peça de vestuário que usava, sob o sol escaldante, era uma sunga de praia. Não sei se calçava sandálias ou pisava a calçada de pedras ardentes com os pés descalços mesmo.
Como a referida então amada residia na Rua do Sodré, proximidades do Largo 2 de Julho, fervilhante bairro de mercado popular a céu aberto, sempre reparávamos nele ao passar.
De dorso nu e cabeleira dreadlocks, parecia feliz e falante naquele quase anonimato.
A especialidade da birosca até hoje são as bebidas de infusão: folhas medicinais curtidas por semanas e meses dentro de vasos de cachaça.
Famoso porque sua música já alcançara sucesso nacional, a ponto de “Juventude transviada” ter entrado na trilha sonora de novela das 8 da Rede Globo – não era pouca coisa naqueles tempos -, jamais o vimos com gente estrelada como ele no balcão da calçada.
Naquele à vontade da vida, seus parceiros de copo eram as gentes do lugar. Toda uma fauna de biscateiros, vendedores ambulantes de peixe, verdureiros, desempregados, lanceiros e raparigas do rendez-vous.
Como defronte da birosca funcionava o melhor sebo de livros e discos long-plays antigos de Salvador, o local também era frequentado por estudantes e poetas bissextos. Além de artistas populares em condições materiais de mendicância.
Possivelmente Luiz Melodia nomeou sua canção “Juventude transviada” retirando-o do título em português no Brasil do anematizado filme de Nicholas Ray, com James Dean. No original de 1955, Rebel without a cause.
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