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19/06/2017 às 12:06

No dia de Santo Antonio, apelo a São Gonçalo para casar

Nara Franco é jornalista

Nara Franco

Na novela "Velho Chico", a primeira mulher do coronel interpretado por Rodrigo Santoro/Antonio Fagundes, faz uma promessa a São Gonçalo para arrumar marido logo nos primeiros capítulos. Em troca, organizaria para ele uma caprichada Roda de São Gonçalo com 12 violeiros e 12 mulheres. Até então eu nunca tinha ouvido falar em São Gonçalo, mesmo tendo um município próximo ao Rio de Janeiro com este mesmo nome. Até então também, Santo Antonio reinava absoluto no quesito casamento.  

  Na mesma hora liguei para uma amiga que é doida para casar e sugeri que ela trocasse de santo na busca por um marido. Afinal, Santo Antônio é um dos santos mais populares do mundo. Pensando assim, vale a lógica que o pobre Antonio pode não dar conta de tantos pedidos por marido, mulher, namorado, namorido e assim por diante. Valia tentar apelação para santo mais desconhecido e com mais folga na lista de pedidos. 

  Ela se animou e foi logo pesquisar no Google achando uma igreja de São Gonçalo no interior de Portugal, ao norte do país, que na verdade tem grande devoção ao beato São Gonçalo de Amarante. Acreditem: ele não é santo. No intuito de conhece-lo antes de pedir, vasculhou ainda mais fundo informações sobre o nobre português que largou a riqueza pela igreja. Em 24h sabia mais de São Gonçalo que padre e colocou como condição que eu, dona da ideia, desse a ela uma imagem para que os dois tivessem aquela conversa ao pé do ouvido. 

  E lá fui eu pela cidade a procurar São Gonçalo, o ilustre desconhecido que iria acabar com o sofrimento da minha amiga. Logo descobri que ao contrário dos demais santos da igreja católica, Gonçalo de Amarante tem nas mãos um violão, algo um tanto inusitado para um beato. Pois o santo era festeiro. Tocava viola e promovia festas, ou melhor, bailes familiares reunindo jovens. Estes encontros deram origem a diversos casamentos e vem daí a fama de casamenteiro do santo cantador. Reza a lenda que se uma mulher tocar o túmulo do santo em Portugal terá casamento garantido no prazo de um ano. 

   O problema maior no caso de promessa cumprida era promover a roda. São Gonçalo é o santo dos violeiros e não se vestia como santo. Usava as roupas dos camponeses e era "folgazão", digamos que é um versão boêmia (sem álcool) de 800 anos atrás. Há no Brasil 22 municípios batizados em homenagem a Gonçalo e no Rio de Janeiro nenhuma loja que vendesse a tal imagem. Já estava quase desistindo, para desespero da amiga, quando passando pela porta da igreja de São Paulo, que fica na rua onde moro, lembrei de uma pequena loja católica que fica na frente da igreja. Última tentativa. 

- Tem imagem de São Gonçalo? 
- Tem - respondeu a beata atrás do balcão. Em seguida, me lançou um olhar de cima a baixo e perguntou - É pra você? 
- Não. É presente - respondi me achando uma pecadora ou já velha para qualquer pedido depois do olhar da senhora. 
- É pra casar? - além de penar para achar o santo eu ainda tinha que passar pelo crivo da beata? 
- Acredito que sim - disse. 
- E quantos anos ela tem? - rebateu a beata para minha surpresa. Agora só me faltava responder ao Censo. 
- 36. 
- Ah! Então pode levar - exclamou com um certo alívio. E foi explicando - Para pedido de casamento com mais de trinta anos só São Gonçalo. Santo Antônio é pra gente mais jovem - detalhou enquanto pedia à assistente para pegar a imagem.

Jornalista que sou perguntei o porquê da separação de trabalhos e obtive resposta evasiva, quase que um "é assim porque é assim". Claro que não me dei por vencida. Levei o santo para casa e fui procurar a origem da tal classificação etária. Não achei. Os dois são santos casamenteiros por motivos diferentes. A questão da idade era invenção da velha ou dito popular desconhecido. 

Mas no fundo eu estava certa. Santo Antônio é muito ocupado para atender a tantos pedidos e delegou à São Gonçalo uma parte da demanda, que deve ser tão grande quanto. Nada mais justo. Mas Gonçalo errou no marketing da coisa. Exceto no interior de alguns estados, como Minas e Piauí, onde a dança, a roda ou viola de São Gonçalo é festa certa no dia 10 de janeiro, data da morte do beato. 

Minha amiga ainda não casou. Insiste no santo mais famoso, ainda que tenha prometido ir a Amarante conhecer Gonçalo. Acho que falta um certo fervor e temor de promover a roda. Onde achar 12 violeiros em pleno Rio de Janeiro?

Mas nesse dia 13 de junho de 2017, quando levo 13 pães a igreja como em todos os anos, deixo a dica para as moças pós-Balzac e faço uma singela homenagem à São Gonçalo, parceiro de Antônio nas causas mais urgentes do matrimônio, violeiro, cantador e casamenteiro.


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