A cultura de Salvador é desconhecida dos nossos vizinhos argentinos e chilenos, dos europeus e dos africanos mais ainda. No Egito, ninguém sabe nada de Salvador, salvo algum estudioso
Tasso Franco , da redação em Salvador |
28/10/2025 às 11:49
Painel de Carlos Bastos na Assembleia Legislativa
Foto: BJÁ
Salvador perdeu o protagonismo cultural no Brasil há muito tempo. O mesmo se pode dizer da Bahia. Não é de agora, do governo Bruno Reis, nem de Jerônimo Rodrigues, isso vem acontecendo há décadas e lembro que, quando secretário de Comunicação da Prefeitura, governos Antônio Imbassahy (1997-2004) a cidade perdeu a oportunidade de instalar o Museu Guggenheim no altiplano da Ladeira da Montanha.
Frank Ghery, o arquiteto dos museus de NY e Bilbao esteve em Salvador, chegou a desenhar num guardanapo a ideia, mas o projeto não saiu. Faltou ousadia da cidade.
Salvador, no momento, acolhe secretários de Cultura municipais de capitais do Brasil, o que é salutar, tem alguma coisa a oferecer, mas seu protagonismo de exercer um papel de destaque entre os demais acabou.
Pelo contrário, salvo os novos equipamentos físicos instalados pela Prefeitura – Museu do Carnaval, Cidade da Música, Casa de Contenção de Histórias, etc, nossos movimentos culturais perderam fôlego e não nos destacamos mais em quase nada no cenário nacional.
Estamos vivendo e cultuando o passado e felizmente ainda tempos Gilberto Gil e Caetano Veloso, em atividades. E, na literatura, como nome nacional surgiu Itamar Vieira Junior (Torto Arado).
Nenhuma cidade que queira ter o título de mundial se impõe sem ter um grande projeto de cultura.
Imaginem que o último com essa dimensão multicultural foi implantado pelo governo militar de 1964, o Teatro Castro Alves, em 4 de março de 1967, no governo Lomanto Jr e do presidente Castelo Branco, com foyer para expos, grupo de balet e dança moderna, espetáculos diversos, sala de coro, conha, etc, etc, e que está fechado desde 2023.
Estão fechados, também, o Teatro Vila Velha; o Museu de Arte de Arte Sacra e Convento de Santa Tereza; a biblioteca do Museu Carlos Costa Pinto; a biblioteca do Mosteiro de São Bento (a mais importante em história da Bahia); o teto da igreja de São Francisco caído; dezenas de templos religiosos necessitando de restaurações inclusiva as basílicas do Bonfim e Nossa Senhora da Conceição da Praia.
Enfim, há necessidade de muitos recursos e vontade politica para que a cidade se revitalize e isso vale para os movimentos culturais. O mais importante deles, de maior visibilidade, o Carnaval, se engessou. Virou um evento estatizante mantido em boa parte por verbas do Estado e federais. Isso, no entanto, não gera cultura e sim balões de propaganda e puxaquismo de artistas elogiando dirigentes.
Antes, havia uma competição entre os grupos culturais, os blocos, os cordões, o trabalho artesanal e musical, o esforço coletivo na organização da festa. Agora, descobriu-se que o folião é um “pipoca” e os produtores culturais e os artistas cruzaram os braços e preferem receber a “gaita” do governo e desfilarem. Pronto. É assim que está o Carnaval, sem pé, sem cabeça, sem cultura. Do outro lado está o mercantilismo, a camarotização.
Até o Carnaval deixou de ser protagonista porque os outros estados aprenderam a fazer o momo de rua, que era o nosso destaque com toda a irreverência. Nem aquela competição saudável para ver quem desfilava com mais beleza e harmonia, se o Araketu ou o Olodum, existe mais. Hoje, a banda que reunir mais gente, cantar mais alto e fizer o melhor vídeo é a campeã.
Pergunto: alguém se lembra de alguma música do Carnaval deste ano?
Recentemente tivermos o que se intitula da maior feira literária da cidade, a Flipelô. Visitei-a duas vezes. Uma foi num lançamento da Solisluna na Igreja de São Pedro dos Clérigos. Pouquíssimas pessoas presentes. Na outra fui ao coração da Flipelô, o Largo do Pelourinho, onde estava instalado um palco com uma banda tocando e em volta do palco 22 bancas de comidinhas baianas, da paçoca a lelê, mingau, abará, acarajé, cuscuz, etc, só não tinha livros.
Mas não era uma feira internacional de literatura? Que legado a Flipelô deixou: zero.
Essa é a situação da nossa cultura. Há muitos eventos de música – a maioria de baixa qualidade – ou então aqueles grandiosos com artistas famosos de fora e não conheço nenhum movimento novo se destacando. Ainda batemos na tecla da Axé e do pagode de Candeias.
O teatro decaiu de vez. A turma da Escola de Teatro da UFBA fez um protesto recente pedindo pelo amor da arte a conclusão de um prédio no Canela paralisado há anos. Nunca mais emplacamos uma peça com sabor nacional. Creio que a última foi “Los Catedrásticos”, de 1989.
No cinema desaparecemos. Salvador produz pouquíssimas coisas. Nas artes visuais também estamos sem nomes nacionais salvo algum destaque para Bel Borba. Já tivemos, no passado, um Salão de Arte da Bahia.
Então, o trabalho que a Prefeitura vem fazendo para ampliação de espaços culturais e requalificação é meritório, recuperação da Museu da Santa Casa de Misericórdia (multiespaço) foi excelente e temos uma ministra da Cultura baiana, Maragerth Menezes, mas, ainda não fez uma ação relevante para Salvador. Pelo contrário, quando o TCA pegou fogo no teto, o secretário Bruno Monteiro, da Cultura, foi a Brasília, solicitar recursos para recuperar o teatro e voltou com as mãos vazias. É o estado que está bancando a reforma com reinauguração prevista para 2026.
Não estamos aqui a apontar ou culpar A ou B, mas, falta-nos um esforço coletivo – algo forte como foi a UFBA na época de Edgard Santos (sempre lembrado) – para colocar Salvador novamente no protagonismo cultural.
Agora inventaram Salvador Capital Afro. A população de Salvador, no entanto, fala português e o maior contingente de baianos no exterior fora os EUA é Portugal. A África não é um país. É um continente. Alguém sabe, em Salvador, qual a música do rock nigeriano de maior sucesso na atualidade? Alguém toca ou canta o mbalax do Senegal em Salvador? O senegalês canta em francês e o nigeriano em inglês, e o árabe do Egito, em árabe. E Salvador é a capital afro?
Do ponto de vista do marketing tem uma apelo intersubjetivo que só atinge os próprios baianos de Salvador. No mais, passa batido.
A cultura de Salvador é desconhecida dos nossos vizinhos argentinos e chilenos, dos europeus e dos africanos mais ainda. No Egito, ninguém sabe nada de Salvador, salvo algum estudioso. No Marrocos, África francesa, a mesma coisa.
O que fazer?
Aproveitar quem está fazendo algo interessante e ajudar. A cidade, no entanto, precisa de um grande projeto.
Só lembrando, recentemente, Milan e Internacional se uniram para organizar um grande projeto de esporte, cultura, lazer, negócios e tecnologia, com a derrubada do estádio San Siro e construção de um enclave de excelência. Praticamente um novo bairro em Milão numa área de regeneração urbana.
Custo do novo projeto (só o novo estado) R$6.6 bilhões. Inauguração Eurocopa de 2023. Metade do preço da ponte Salvador a Itaparica. Estima-se que serão agregados ao novo San Siro investimentos de alguns bilhões de euros em hotéis, metrô, galerias, shopping, centros de convenções e cultura.
Se Salvador ficar só pensando no Mané Dendê e no Museu do Carnaval, que são valiosos, são relevantes, não se tornará uma cidade mundial.