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Zé de Jesus Barrêto

COPA DA RÚSSIA: O belo e imprevisível Mundo da Bola

Que seria de nós, que graça teria a vida sem o sonho, o delírio, o encanto, a paixão, a poesia, a música, a bola?
29/05/2018 às 20:05

  Há mil motivos, então, para se esculhambar a Copa do Mundo: A crise, a greve dos caminhoneiros, os preços abusivos do combustível, o fora Temer, o Lula livre, a rede Globo, Galvão Bueno, os 7 x 1, a desigualdade, a fome no mundo, as matanças, a corrupção, Trump, o made in China, o Kin da Coreia, os migrantes, a desgraceira na Venezuela, a erupção do vulcão no Havaí , a sujeira na FIFA, os bandidos da CBF, a Rússia homofóbica do KGB Putin, os salários exorbitantes dos astros, a vaidade do Cristiano, a marra de Neymar... Ufa!

 Eu, que não sou politicamente correto e amo a bola (brinquedo de Deus), aprecio o jogo de bola desde guri, entendo que o futebol faz parte do mundo de espetáculos da humanidade, como o circo, o teatro, os festivais, o carnaval, o forró junino...  Futebol é cultura, parte do fazer criativo humano, o lúdico como arte.

  Quem há de negar a arte de Pelé, de Garrincha, de Leônidas, de Di Stéfano, Maradona, Cruijff, Zidane, os ronaldos,  Messi, CR-7, Neymar ?  A beleza, a (des)harmonia, o traçado, as habilidades, o inesperado, o drible, a emoção do gol !

  Claro, o futebol tornou-se um grande negócio, como tudo nessa vida, até nossos cabelos. O espetáculo envolve bilhões e faz parte da chamada indústria do entretenimento. O planeta inteiro vai estar de olho nos estádios russos, colossais. O show é parte do humano viver, rende alegria, dá prazer e lucro. C’est la vie!

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  Ah, futebol é alienação, dizem os ‘instruídos’. Sim, como outros jogos, a religião, a cervejinha, a praia, o paredão, vícios, prazeres ...   A vida por uma alienação !  Que seria de nós, que graça teria a vida sem o sonho, o delírio, o encanto, a paixão, a poesia, a música, a bola?      

  Que venha então, agora, a Copa do Mundo na Rússia!

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  Tá ruço ou tá russo?

   Aí uma boa oportunidade pra gente se embrenhar um pouco no assunto e conhecer mais esse país, a Rússia, essa nação tão imensa, distante e por nós desconhecida, de culturas tão diferenciadas da nossa.

   Lá, durante um mês de jogos, estarão em campo mostrando sua arte os melhores atletas/jogadores de futebol do mundo na atualidade. Veremos lances e jogadas de rara beleza, o imprevisível. O inusitado nos espera no giro da bola.

  No mais, o futebol reflete a vida, momentos, faz parte da História, da caminhada da humanidade nesse planeta bola, azul.  


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  1938

  EUROPA EM CHAMAS   

  O nazismo do Fuhrer alemão Adolf Hitler se alastrava pela Europa. Feito uma metástase. Braços dados com o fascismo de Mussolini, na Itália, com Franco na Espanha e Salazar em Portugal.

   Os alemães tinham abrigado os Jogos Olímpicos de 1936, em Berlim, e o todo-poderoso Hitler até queria a Copa em seu território. Mas o norte da Europa, de fato, já estava em chamas.  Hitler começara a II Grande Guerra, que se tornou mundial, invadindo e anexando a Áustria em março de 1938, os tanques germânicos conspurcando Viena, sob aplausos; afinal, o Fuhrer era austríaco de nascimento, a juventude ariana o idolatrava.

  Daí, a terceira Copa do Mundo terminou acontecendo na França, primeira sede da FIFA, país de um dos maiores desportistas do século XX, Jules Rimet, que deu nome ao troféu da Copa. Uma homenagem, um reconhecimento.   

  Mas o clima hostil reinante deixou alguns países fora da competição, inclusive a Áustria anexada. Os atletas austríacos tiveram de vestir, alguns a contragosto,  a camisa da Alemanha e a Copa foi realizada com apenas 15 equipes e não as 16 classificadas. 

  Ficaram de fora ainda a Inglaterra, de mal com a FIFA, e a Espanha, em guerra civil desde 1937. Da América do Sul, só o Brasil marcou presença; Uruguai e Argentina não foram, também por problemas político-econômicos e desentendimentos com a FIFA.  Cuba esteve presente, como o pior time da competição. 

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   O Estado Novo

   O Brasil de então, ainda um país rural de 44 milhões de habitantes e que tinha o café como principal produto de exportação, vivia o Estado Novo, a ditadura Vargas, que durou de 1937 até o final da Grande Guerra, em 1945. O caudilho gaúcho nutria simpatias pelo nazi-fascismo, sabemos.       

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  Nosso Diamante Negro  

   Em 38, pela primeira vez o Brasil foi à Copa com seus melhores atletas. E fez bonito, alcançamos um honroso terceiro lugar e, no final, tivemos dois jogadores na seleção da competição: o extraordinário e clássico zagueiro Domingos da Guia e o fenomenal atacante Leônidas da Silva, o ‘homem borracha’ dos gols de bicicleta, o ‘Diamante Negro’, escolhido como o Craque da Copa. Leônidas foi o artilheiro da competição, com 8 gols marcados.  Ainda tínhamos na equipe o lendário goleiro Batatais, os atacantes Romeu, Hércules, Perácio e o cerebral driblador Tim ...  Treinador, Ademar Pimenta.

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    O rádio

  A Seleção Brasileira estreou num domingo, dia 5 de junho, contra a Polônia, vencendo por 6 a 5, na prorrogação. Foi o primeiro jogo de Copa transmitido pelo rádio para o Brasil, na voz de Gagliano Neto, microfone em punho, de pé, na beira do gramado. Leônidas fez três. A crítica europeia se surpreendia com nosso futebol “bagunçado, brilhante e acrobático”. Diferente.

  Na sequência, empatamos (1 x 1) com a Tchecoslováquia e a vencemos, dois dias depois, por 2 x 1, mas nesse jogo Leônidas machucou e ficou de fora da partida mais importante, contra a Itália (a campeã do mundo em 1934).

  Sem o nosso artilheiro, levamos 2 x 1 da Itália de Meazza e Piola. O gol de Meazza foi cobrando um pênalti contestadíssimo de Domingos da Guia em Piola, sem bola. Não tinha tevê, só o árbitro viu. O fato é que disputamos o terceiro lugar contra a Suécia e vencemos pelo placar de 4 x 2, dois gols de Leônidas.

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  O BI da Itália    

  A final da Copa de 38 foi Itália 4 x 2 Hungria, no dia 19 junho, no Estádio Olymique de Colombes, em Paris.  A Itália Bi-Campeã do Mundo.  

  Contam que na véspera da final os atletas italianos teriam recebido uma mensagem telegráfica do Duce Mussolini: “Vencer ou morrer”.  Os jogadores vestiram-se de preto, cor símbolo do fascismo, e preferiram vencer. Na volta, de trem, os campeões foram recebidos em Roma, no Palazzo Venezia pelo próprio ditador, e premiados.

   Por causa da guerra insana de Hitler que se alastrou pela Europa inteira, norte da África, Japão, envolvendo os EUA e também o Brasil, só voltou a acontecer uma Copa do Mundo em 1950, no Brasil.

Outro capítulo, outro drama.


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  A Seleção de Tite    

  Vinte e um dos 23 convocados por Tite para a Copa Rússia que começa no dia 14 de junho já treinam em Londres-Inglaterra. Só faltam se apresentar o lateral Marcelo e o apoiador Cassemiro, possíveis titulares, que ganharam uma folga para comemorar a conquista de campeões dos campeões da Europa pelo Real Madrid, sábado passado, em Kiev, contra o Liverpool.

  O avante Firmino, da equipe inglesa derrotada, já está integrado ao grupo dos brasileiros, treinando com bola. O foco é o amistoso, dia 3, em Liverpool, contra a Croácia. Neymar já em campo.


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   Paixão pela bola

   Fecho com um fraseado do imortal Nelson Rodrigues sobre o futebol, uma de suas paixões:

“A bola é um reles, um ínfimo, um ridículo detalhe. O que procuramos no futebol é o drama, é a tragédia, é o horror, é a compaixão”.    

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