Colunistas / Literatura
Rosa de Lima

ROSA DE LIMA ANALISA DESIRÉE - A SÉXOLOGA QUE NÃO SABIA AMAR, F. VITA

Fernando Vita autografa Desirée no próximo dia 28, na Livraria Escariz, Shopping Barra, Salvador, a partir das 18h
21/10/2021 às 07:21
         Venho acompanhando a trajetória literária do escritor Fernando Vita há muito tempo. Já disse e volto a repetir: é um dos melhores ficcionistas da atualidade na Bahia e a cada novo livro que publica vê-se um refinamento em sua linguagem, o que Malcolm Gladwell chama de "fatia fina". 

     Isto é, a capacidade do seu inconsciente descrever novas situações e comportamentos da cidade ficcional de Todavia, situada no Recvôncavo da Bahia - pode se assemelhar a qualquer lugar do universo - produzindo novas histórias com o saber que lhe é próprio. Todavia, portanto, tem muitas camadas de fatias finas e Vita vai desfolhando-as a cada nova obra e oferecendo ao leitor o que há de melhor na ficção.

   Seu novo trabalho, a ser lançado em Salvador - Livraria Escariz, Shopping Barra, dia 28 próximo, noite de autógrafos, a partir das 18h - "Desirée - a sexóloga que não sabia amar (Geração Editorial, 209 páginas, SP, 2021, R$40,50 nos portais da internet) é algo fascinante que leva o leitor (a) ao delírio para entender como uma jovem médica, casada com um geólogo, ambos saídos da fornalha da UFBA, promissores, foram parar em Todavia, a terra do ninguém, terra onde Judas deixou suas botas, justo para exercerem suas profissões - ela com  consultório na rua do Espera Negro (astucia-se, desde já, que destempero) e ele numa mina de Taitinga, nos arredores de Todavia - como se diz em Paris.

  E é exatamente neste cenário, habitado por pessoas que se assemelham com personagens felinianas já gravadas em nosso imaginário e vistas nas telas do cinema, que Vita vai componando sua história ou trazendo à lume novas fatias da vida cotidiana de Todavia, porque outras já conhecemos, em "Cartas Anônimas" e/ou no "Avião de Noé"; na "República dos Mentecapos" e no "Tirem a Doidinha da Sala" o que torna a sua arte mais purificada, bebendo a água cristalina de um poço que parece não ter fim (e não terá). 

  Diria que aí está o segredo da obra de Vita, utilizar o cenário de uma pequena comunidade do interior da Bahia (como já dito arriba podendo ser em qualquer lugar no planeta, uma vez que, doidos, poetas, cafetões, quengas, padres e tarados existem até na Conchichina) compondo novas histórias, cada uma delas mais original do que a outra, o que só merece aplausos dos leitores e a conquista de novos.

  Desirée é leitura que gruda e o sujeito só para quando chega ao ponto final. Imaginem vocês uma mulher sensual, jovem, médica, assessorada por uma secretária lasciva, putona, assanhada, a atender uma clientela de senhores e senhoras distintos (as), cristãos de missa e beijadores (as) de pés de santo, mas, também, apreciadores de traseiros e outras artes de fornicar a gosto, levando suas experiências à guisa de aconselhamentos à sexóloga, uma jovem casta, contudo, cheia de tesão, desejos que não são correspondidos pelo seu esposo Hélio, dedicado em tempo integral a mineração e ausente na arte de lixar na cama ou mesmo na cozinha ou na 'espia que vem'.

   Por posto, a 'espia que vem' citada nesse contexto foi retirada das anotações que a sexóloga fez de um dos seus clientes, o primeiro a frequentar seu consultório, o qual experimentava com frequência a 'la bout' da esposa posta de pé num beiral de janela, a movimentar-se no vai e vem prório do ato sexual, o que mostrou a médica quão desmiolados - a primeira vista, assim lhe pareceu - eram os habitantes de Todavia uma vez que os clientes a seguir, cada qual expunha modelos de foder diferenciados, digamos, criativos, o que deixou a profissional dos ensinamentos de Hipócrates admirada e ao mesmo tempo excitada.

   E se você pensa que Desirée também abriu suas pernas ou ofereceu sua redonda e formosa 'dérriere' a algum desses ousados clientes - um dos quais, poeta, teve o destempero de recitar um poema romântico executar uma bronha à vista solene da doutora, o dito pedindo-a que se mantivesse como uma estátua, uma deusa, jorrando sua zorra no solo sagrado do seu consultório. Engana-se, pois. 

   Em cena, a limpar a gosma, dita por ela a secretária Olinda Helena e a sua empregada doméstica Marizinha ter sido vômito do gato Bangu, as duas ambas escoladas na astúcia de indentificação de porra, fizeram a limpeza mas atestaram a inocência de Bangu neste feito.

   A narrativa transcorre nessa pisada até que, Desirée, desiludida do aconchego do seu marido, um pica de pano - como dito pelo autor - resolve separar-se do geólogo e retorna a capital. 

  Antes, de usar o fenemê de Salvador França para voltar a Cidade da Bahia - assim se chamava Salvador, antigamente - confessa-se com o monsenhor local e vê - imagina-se que, sem surpresa, uma vez que Todavia era, de fato, uma terra de depravados em tempo integral - que o dito homem de Deus ao oferecer-lhe o sangue de Cristo em taça de vinho, nota o seu rubor, o seu entusiasmo, a sua batina sendo erguida no baixo ventre sem o uso de suas mãos, a abraçar-lhe, a roçar-lhe. E, por pouco, só não foi literamente comida diante presença inesperada de um sacristão que chegou no momento de um possível vamos ver penetrativo. Até hoje, em Todavia, há dúvida se o monsenhor penetrou na dita jovem ou não.

   O certo é que Desirée retorna a capital e Vita aproveita esse momento para dar um passeio pelos locais boêmios da Cidade da Bahia, lembra de personagens e de momentos da vida da cidade do Salvador, dos bares "O Popular" e "Cantina da Lua" - faz um tour pela city - e encerra a narrativa com Desirée entregando-se de corpo e alma e um galã vendedor de imóveis, um certo Pater, em plena rua no bairro de Ondina, mostrando também saber na arte da fornicação.

   Mais não conto porque se contar vocês não vão comprar.