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Rosa de Lima

ROSA DE LIMA ANALISA A OBRA DE MICHEL FOUCAULT SUBJETIVIDADE E VERDADE

Livro especial para quem tem conhecimentos de filosofia e psicologia
02/09/2021 às 18:00

  Falemos de filosofia, de Michel Foucault. O Brasil está um país muito chato de se vider. Estou até pensando em voltar para Portugal, pois, ninguém aguenta mais essa nojeira discursiva entre dois representantes do atraso na vida política nacional. E mais cancelamentos e agressões de toda ordem à memória da população e às pessoas com alguma inteligência, a cultura sem a mínima diretriz e uma bandalheira social de Norte a Sul, cada qual agindo ao seu bel prazer. 

  Então, cuidemos da memória deste filósofo e psicólogo francês (1926/1984) que deu uma contribuição extraordinária à cultura mundial com dez dos seus livros, palestras e cursos que ministrou na Franã. Em tela parte da coletânea do curso que ofereceu aos alunos, docentes, pesquisadores estrangeiros do Collège de France (1980-1981) intitulado "Subjetividade e Verdade" (Editora Martins Fontes, tradução de Costhek Abílio, SP-2019, 302 páginas, R$39,90 na internet, uma obra admirável em que aborda desde a fábula do elefante em são Francisco de Sales - idade média - até as formulações filosóficas, positivista e histórico filosófica da subjetividade e verdade.

Não há conclusões. Nem poderia ter. Diria, ainda, que não é tema para amadores ou pessoas que não tenham um certo domínio das linguagens da filosofia e da psicologia e de conhecimentos da história. Assim, quem se propõe a ler este livro precisa ter esses conhecimentos prévios tão citados por David Ausubel, uma base razoável de conhecimento.

 A esta base, portanto, o leitor vai acrescentar novos conhecimentos ditos por Foucault em sua retórica. Vale, no entanto, acompanhar o diz o filósofo uma vez que subjetividade pura, em sí, já encerra uma complexidade enorme; e quando se associa a verdade (outro conceito que não é único e complexo) tem-se que ter muita atenção na leitura.

Imagina-se, ainda, quanto era difícil para os alunos, docentes e pesquisadores acompanharem esses cursos, necessitando, obviamente, como fazemos sempre ao assistir uma aula, uma revisão e repassada nos temas analisados. A fábula do elefante - nem tanto - porque se trata do amor e da fidelidade dos elefantes às suas fêmeas e na discrição na hora da procriação. 

"Entre os elefantes. a fêmea começa a se deixar montar não antes dos dez anos, não depois dos quinze anos. Mas o macho monta com cinco ou seis anos. É primavera, época da cópula. O macho, depois da copular, monta novamente no fim de dois anos [...] A gestação dura dois anos e nasce um único filho", comenta. 

- Até a consumação do ato sexual, portanto, os elegantes reproduzem a história da humanidade primitiva. E o que vai acontecer em seguida, diz respeito a humanidade pós-queda e ao combate que esta mesma humanidade deve travar para a sua própria salvação", diz Fouclault.

Vê-se, pois, o quão de complexidade há em seu pensamento. Sobre a verdade analisa o filósofo: "Não há teoria do sujeito independente da relação com a verdade. A verdade é antes de tudo um sistema de obrigações. Por consequência, é totalmente indiferente que aquilo que em determinado momento é considerado verdadeiro não o seja mais em [outro]". E questiona: "Será que o código da moralidade sexual que se atribui ao cristianismo efetivamente lhe pertenceu de direito?

O livro é de uma profundidade oceânica e a medida em que se vai seguindo adiante o filósofo analisa as relações entre subjetividade e verdade e o problema do sonho - a onirocrítica de Artemidoro. Ou seja, o sistema ético dos atos sexuais através da análise dos sonhos. Veja que conceito interessante: "O sonho nada mais é que essa espécie de chamado do ser futuro dirigido à alma à qual ele se anuncia. 

E esse mecanismo do sonho, do óneiros que Artemidoro explica, ele justifica, ou cauciona com uma série de palavras que explica o atrair o puxar...o Iros (de óneiros), que na Ilíada de Homero designa mensageiro. O sonho seria um mensageiro que puxa a alma.

Eu não devo destrinchar todos os enunciados do livro até porque tiraria a suprema curiosidade dos leitores. O que Fouclault vai mostrar-nos é que, a rigor, a moralidade sexual atribuída ao cristianismo é anterior a ele e foi (como acontece em outras casos, até mesmo na teologia) copiado de conceitos que já existiam. 

- Primeira a questão do que poderíamos chamar de localização: onde as relações sexuais estão localizadas? Desde muito tempo - a partir do cristianismo sem dúvida, mas mesmo antes, na moral filosófica [...} o ato sexual não é simplesmente relacionado por Artemidoro como um campo social: é relacionado, também, como um âmbito de naturalidade". 

Ler Fouclault é sempre gratificante. Aprende muito. E em "Subjetividade e Verdade" navegando por subtemas tão atuais como os atos sexuais, o cristianismo, a filosofia, a homossexualidade, as relações da verdade e do poder entre o escravo e o senhor, entre outros, vale conhecer este trabalho.