Colunistas / Literatura
Rosa de Lima

ROSA DE LIMA comenta livro que conta os 100 anos da Diocese de Caetité

Livro foi organizado por Zéla Malheiro Marques, Marinalva Nunes Fernandes e Maria de Fátima Novaes e editato pela Eduneb
30/06/2013 às 16:07
Livro interessante contendo fatos históricos é aquele que se lê de um só fôlego. Sempre tive atenção pela história da Bahia em todas as suas vertentes, quer sejam temas que envolvam o período colonial; quer de assuntos mais recentes como o fenômeno da música axé. A igreja católica, então, que chegou em Salvador com a instalação da Diocese da Bahia, em 1551, nos seus primórdios de fundação da cidade, ainda no governo de Tomé de Souza, é um manancial enorme de informação nesse baú cultural.

"Diocese de Caetité - 100 anos de fé e missão nas terras sagradas do Sertão - Bahia" (Eduneb, Editora do Estado da Bahia, 312 páginas, organizado por Zélia Malheiro Marques, Marinalva Nunes Fernandes e Maria de Fátima Novaes Pires), que chegou às minhas mãos por brinde caridoso da senhora Tereza Cristina, de tradicional familia caetiteense, narra em detalhes, em capítulos contendo 28 artigos de padres e professores, tudo bem documentado, conteúdo primoroso, a vida da Diocese de Caetité que completa 100 anos em outubro próximo.

Vida longa. Uma das mais antigas dioceses da Bahia ao lado dos municípios de Ilhéus e Barra, do mesmo período, até os dias atuais abrigou o trabalho de oito bispos, sem contar os antecedentes religiosos romeiros que adentraram aos sertões no século XVIII, há 250 anos. 

Na sequência, os bispos foram: dom Manuel Raymundo de Mello (1915/1925); dom Juvêncio Britto (1926/1946; dom José Terceiro de Souza (1948/1955); dom José Pedro Costa (1957/1969); dom frei Silvério Jarbas Paulo de Albuquerque (1970/1974); dom Eliseu Maria Gomes de Oliveira (1974/1980); dom Antônio Alberto Guimarães Rezende (1982/2002); dom Ricardo Guerrino Brusati (2003/2013).

Cada um desses personagens tem um histórico doutrinário em particular, o pioneiro com a missão de instalar a Diocese, o qual a geriou por 10 anos, fincou as raízes, definiu seu território físico e religioso nos primórdios da República Velha no Brasil, tendo um trabalho árduo de fixação das paróquias e ampliação do corpo de fiéis. Em 1916, estabelece os primeiros passos concretos para a construção do Seminário Diocesano e da Residência Episcopal, tarefa enorme para ser concretizada naquele sertão ainda ermo e sem grandes recursos financeiros. 

Segue dom Juvêncio Britto, o construtor da igreja de pedras e de homens. Este aproveita-se do trabalho inicial numa diocese com 65 mil km quadrados, cuidou das questões pastorais, da formação do clero e das ações sociais. Foi responsável por trazer da Espanha as Madres Missionárias do Santíssimo Sacramento e Maria Imaculada e ter promovido uma Semana Eucarística, em 1942, com a presença do arcebispo primaz da Bahia, dom Augusto Álvaro da Silva. Marcou sua passagem como o bispo do social e da construção da catederal.

Em 1948, assume a Diocese dom José Terceiro de Souza, o pescador de almas, o qual adotou como dístico do seu brazão a expressão latina "Laxabo Retis" - Lancarei a Rede, retirada de um trecho do Evangelho de Lucas 5.5, com ações de fortalecimento do catolicismo por todos recantos da imensa diocese, construções de novas igrejas e dinamização das ações religiosas. Preocupado em expandir e angariar novos fieis criou um serviço de alto-falante onde falava aos diocesanos duas vezes ao dia e rezava um terço. Em 1954, de novo com o arcebispo primaz, dom Augusto Álvaro da Silva, organizou os 200 anos da então freguesia de Sant'Anna do Cahetité (1754), núcleo que origionou a vila e depois a cidade. 

No ano de 1957, assume o mais intelectual dos bispos que serviram em Caetité, dom José Pedro Costa, mineiro de Diamantina, bispo politizado, como nova visão sacerdotal (operário semeador), defensor da familia e anti-comunista ferrenho. Chegou a dizer que "ao ser posta uma cruz na sepultura significava o sepultamento do comunismo". Durante sua gestão, a seu pedido junto a Nunciatura Apostólica, o território da diocese foi desmembrado criando-se a Diocese de Livramento do Brumado. Teve a felicidade de participar do Concílio Ecumênico Vaticano II estando em Roma bem próximo do papa João XXIII, momento de renovação das diretrizes da igreja católica no mundo. 

Por pequeno periodo, entre 1970-1974, assume a diocese dom Frei Silvério Jarbas Paulo de Albuquerque, falecido recentemente em FSA como arcebispo emérito, o qual utilizou o lema "Sentire cum Ecclesia" na busca de sentir a igreja e a comuinidade. Perfil distinto de dom José, o qual fora bispo por 12 anos, teve dificuldade para compreender a excessiva laicização das práticas da fé, e imprimiu um novo modelo , discreto, silencioso, extremamente zelodo das "coisas de Deus". Foi um bispo respeitado e de certa forma temido pois abominou práticas festivas mais ardososas nos louvores de Sant'Anna com realização de shows e vendas de bebidas.

Foi substituido por dom Eliseu Maria Gomes de Oliveira (1974/1980), o viajante, profeta e pregador incansável, originário do sertão da Paraíba. Com experiência missionária carmelita era infatigável pregador, criou várias comunidades Eclesiais de Base - CEBs, colaborou com a criação e funcionamento da Rádio Educadora Santana de Caetité, criou a Pastoral da Terra - CPT e no apoio a essa luta trouxe para Caetité os padres italianos (missionários fidei domus). Foi um dos principais organizadores da Renovação Carismática Católica na região. Era considerado um profeta no meio do povo, um nordestino que assumiu a identidade popular, e que não pensava somente na espiritualidade, mas também no campo social. Ensinava o povo a cantar através das CEBs e instalou a Rádio Educadora Santana de Caetité.

Entre 1982 e 2002, a diocese esteve sob comando de Dom Antônio Alberto Guimarães Rezende, incansável pregador das missões que tinha o objetivo de conscientizar a população sobre as necessidades de ter Jesus na própria vida, com a expansão das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Ficou conhecido na região como o bispo engajado na luta pela terra sendo perseguido pelos politicos regionais, mas, não se intimidou levando sua palavra calcada na Pastoral da Terra: "Terra por terra; casa por casa". Foi um grande missionário com 22 mil missões.
Hoje, a diocese está sob a orientação espiritual de Dom Ricardo Guerrino Brusati, desde 2003, ficando-se evidente no seu bispado a ideia de incentivar a formação de seus pastores, ampliou a ação da Radio Educadora filiano-a a ABERT e incentivando a criação de rádios comunitárias nas paróquias.

Outros aspectos destacados no livro são artigos sobre os antecedentes de 1913, as vivências e práticas do catolicismo popular, a Caetité das romarias ainda no tempo do Império; as congregações católicas; as Comunidades Elesiais de Base;  o diálogo inter-religioso da diocese, o ontem e o hoje e as relações com outras religiões cristãs; a renovação da Igreja com o Concílio Vaticano II; a presença da Igreja junto à sociedade; A formação e atuação dos leigos; a diocese na contemporaneidade; e os desafios para a Igreja contemporânea.

Trata-se de um livro com uma abordagem completa não só da Diocese, mas, também, da história evolutiva da igreja nos sertões da Bahia tendo como base as diretrizes do Vaticano e a realidade social da região. Muito interessante.