Colunistas / Literatura
Rosa de Lima

O LIVRO DO BONI É AULA COMPLETA SOBRE A TV NO BRASIL

Um livro de cabeceira para quem atua no segmento comunicação
01/04/2012 às 08:05

Foto: BJÁ
Editado pela Casa das Palavras, 463 páginas, leitura obrigatória ao segmento comunicação
  Chega-se a página final de "O Livro do Boni" como se tivesse tomado uma aula de jornalismo. Diria até que mais do que isso, são várias aulas, diante da quantidade de informações postas pelo autor em sua autobiografia relatando fatos desde os primórdios da implantação da TV no Brasil, com o pioneirismo da Tupi, em São Paulo, passando pelo radiojornalismo e a publicidade, segmentos onde também atuou com muita participação.
  "O Livro do Boni" editado pelas "meninas" da Casa da Palavra, 463 páginas, contém revelações de um personagem que participou ativamente dos movimentos de implantação e consolidação da TV no Brasil e todas as escaramuças que se processaram ao longo desses últimos 50 anos, os quais, em tese, compõem a história da TV nacional.

   Claro que a visão de Boni é particularizada aos seus depoimentos, sujeitos a contestações aqui e acolá, o que é natural porque sempre existem versões diferenciadas e posições adversas para um mesmo fato. Ainda mais diante de um tema tão complexo envolvendo grandes empresas do segmento comunicação, artistas, produtores, diretores e vaidades mil.


   Óbvio, portanto, que "O Livro de Boni" não é conclusivo nem representa uma verdade absoluta, porém, uma bela contribuição ao cenário televisivo nacional por aquele, ou um daqueles personagens que mais influíram nesse mercado. E, Boni, José Bonifácio Oliveira Sobrinho, paulistano, com sua memória prodigiosa e a ajuda de amigos e pesquisadores fez um trabalho admirável e que deve servir até para estudos de quem trabalha com esse segmento.


   Particularmente gostei muito quando ele fala de Dermival Costa Lima, diretor artístico da Rádio Nacional paulista, jornalista dos Diários Associados que tive oportunidade de conhecer aqui na Bahia, na década de 1970, quando para cá veio com a finalidade dirigir a Rádio Sociedade e depois o Diário de Notícia já nos seus estertores, a convite de Davi Raw.
 
   E, de complemento, Boni presta um valioso depoimento das turmas do rádio e dos primórdios da TV, desde Fernando Severiano, o primeiro diretor comercial da TV brasileira, a Yara Lins e Sarita Campos da Caravana da Alegria, da Rádio Tupi, entre inúmeros outros.

   A metade do livro do Boni é dedicado a essa fantástica história do rádio e da TV no Brasil, Oliveira Sobrinho também revela a sua trajetória no mercado publicitário, e que bom que tenha sido assim, porque muita gente não sabe que esse homem de televisão, foi o criador daquela memorável campanha Varig, Varig, Varig que encantou o país, quando a propaganda ainda tinha esse sentimento.

  Hoje, quem vê esse rolo compressor da Ricardo Eletro & Cia, onde só se observa o preço, nem se pode imaginar que, como o primeiro destino da Varig seria Salvador, usou-se a música Tabuleiro da Baiana, e criou-se um jingle com uma melodia parecida, algo que mexia com a sensibilidade do brasileiro, a propaganda atuando com emoção, seduzindo o telespectador, o que é raro nos dias atuais, pelo menos na Bahia.

   A carreira publicitária de Boni, sem dúvida, o ajudou bastante no ingresso da TV e o livro mostra o quanto foi determinado e usou toda sua perseverança para chegar onde chegou.  A Rede Globo para Boni foi uma consequencia do trabalho que amealhou nas agências de publicidade, na Tupi e nos altos e baixos de sua carreira quando o Brasil ainda não sabia fazer televisão e muito improviso foi utilizado, muita criatividade e determinação entrararam em cena para que as coisas acontecessem.

   Boni conta alguns desses episódios como a Noite de São Bartolomeu, mudanças brucas no elenco de uma emissora; a quebradeira da Excelsior, arrancada que durou de 1963 a 1967; como surgiram as redes de TV no Brasil a partir da entrada da rede terrestre de micro-ondas da antiga Embratel, em 1979; a sua chegada na Globo em 1967 e a presença da cubana Glória Magadan no mundo das novelas; a interface de formatação da TV a partir do rádio, do teatro e do circo; o jornalismo e o esporte na Globo, o lendário Armando Nogueira; e as fases iniciais com Chico Anysio, Dercy Gonçalves e Chacrinha.

   Os depoimentos de Boni sobre esses artistas e outros, detalhes de bastidores, as vaidades, as brigas, o movimento militar da ditadura no Brasil e Roberto Marinho, o gringo Joe Wallach e seu papel na organização estrutural da TV como negócio, como empreendimento; o bruxo Homero Icaza Sánchez, a ascensão da dramaturgia da Rede Globo, o fim do mito Valter Clack; Hans Doner, o mago e seu universo e os grandes sucessos são muito valiosos para se compreender a TV brasileira nos dias atuais diante da emissora de maior audiência junto ao público.

   O livro tem até um episódio pitoresco quando Boni conta que no "dia 1º de janeiro de 1971, eu e minha familia, o Tarcízio, a Glória, o Ibrahim Sued, o Luiz Borgerth e alguns amigos fomos participar da Procissão dos Navegantes, em Salvador (...) eram mais de mil barcos no mar e o dia estava lindo e ensolarado (...) quando perceberam que o Tarcízio estava numa das embarcações, as pessoas do barco ao lado começaram a entoar a música de abertura de Irmãos Coragem e a coisa foi passando de barco em barco. De repente, mais de três mil barcos e trinta mil pessoas cantavam, no mar de Salvador, a uma só vez: Irmãos é preciso coragem. O Tarcízio desandou a chorar. Eu também cai em prantos".

  Exagero à parte porque uma procissão dos Navegantes, em Salvador, nunca registrou essa quantidade de barcos, muito menos em 1971, é um retrato figurado dos sucessos junto ao público das novelas da Globo, até hoje presentes na vida dos brasileiros.

  O livro encerra com a saída de Boni da Globo para montar a sua própria TV, a Rede Vanguarda, no interior de São Paulo, e suas sugestões sobre os melhores programas da Globo miniseries e novelas.

   Para quem é do ramo das comunicações, o Livro do Boni é leitura obrigatória.