Colunistas / Filosofia Popular
Rasta do Pelô

MULHER do RASTA DO PELÔ quer curtir a neve em São Joaquim. Deu rolo.

Que camarada é esse que não faz os desejos da esposa
26/07/2013 às 09:24
 Depois que dona Céu assistiu na televisão declarações de um pernambucano da classe C emergente curtindo o inverno em São Joaquim, Santa Catarina, dizendo que estava realizando seu sonho de conhecer a neve, de fazer bonecos de neve, de sentir o frio gostoso incomum no agreste onde vive, que minha santíssima esposa botou em sua cabeça que, também, chegou a sua vez, e não fala outra coisa dentro de casa.

   E, claro, fica apoquentando meu juízo, mandando eu fazer as contas, pois, se o dito pernambucano pode ir com a familia, de carro, entre Bezerros e São Joaquim, porque "nós não". É assim que se refere já colocando a situação no plural "nós", me pondo no bolo, dando a entender que eu me vire a arranje o capilé para a viagem.

Ponderei, pra início de conversa, que meu dinheiro está curto, que a venda de toucas no Pelô vive momento de baixa, que a temporada do veranico pós São João está um fracasso, que o local só estava sendo frequentado por jovens da Jornada Mundial da Juventude, "tudo uns pés raspados" sem dinheiro para comprar nada, salvo um molho de fitinhas do Senhor do Bonfim, mas, ela insiste e diz que me virasse, que ligasse para meu amigo Badu, o intelectual de bigode, o qual, por sinal mora em Floripa, e tudo se resolveria.

- Tome um empréstimo ponte com seu amigo Badu - falou como se entendesse de economia e estivesse sintonizada com a linguagem do doutor Mantega e doutor Tombini.

- Que empréstimo mulher! Você não está vendo que a crise internacional bateu à nossa porta. Será o Benedito! - ralhei com a dita aumentando o tom da voz.

- Recorra então ao Desenbahia - respondeu na tampa.

- O empréstimo que estou querendo tomar junto ao Desenbahia é pra incrementar nosso empreendimento, microempresarial, e não para devaneios à moda chilena, entendeu - gritei no pé do seu ouvido.

- Fale baixo porque embora esteja com problema na audição não sou surda- respondeu comentando, ainda, que "nós" poderiamos pleitear um jatinho da FAB.

- Pronto! Como é que você, com essa inflamação no ouvido, escutando música à noite toda com seu rádio particular, vai para um lugar gelado como São Joaquim - arguiu.

- Pra isso tem tapa ouvidos de lã, pra isso tem remédios, pra isso tem luvas - entedeu seu zôio de gude.

Expliquei, ainda, que não sendo ministro de Estado nem dos tribunais federais não tinha direito a avião da FAB, salvo se ela quizesse fazer algum voo no CAN para o Xingú.

- Para o Xingú, para ver índios, para ser picado por cobras você leva a senhora sua...nem vou completar o resto porque você sabe de quem estudou falando. "Quero ir é para Floripa, para São Joaquim, quiçá uma esticada até a Serra Gaúcha o Mar Del Plata e ainda tenha fineza de compra uma caixa de cialis 20mg", sacou meu bem.

Sem argumentos desloquei-me para o Pelô visando arquitetar algum plano e vender as toucas. Por descargo de consciência, liguei para o intelectual de bigode, o venerável Badu, e falhei-lhe sobre o desejo de dona Céu.

- Nada mais justo - respondeu-me de pronto colocando seu apartamento à disposição para a estada em Floripa e comentando que iria falar com um graúdo de São Joaquim para intentar uma "boca livre" para "nós".

- E os bilhetes de avião, a bebida, a comida, quem vai pagar - questionei.

- Isso é de menos. Todo emergente está voando de madrugada, come pão de milho com mortadela e vinho por acá é barato - falou.
- Você é louco. Vá falar à dona Céu para comer pão de ló ou de milho. A mulher tá chique só come agora pão da Perini e presunto fatiado magro.

- Aí fica ficícil, né! Pondera pra ela que o Brasil mudou, que o povo está revoltado nas ruas, que até o papa Francisco, o qual nos visita, come bolachinhas de goma, e que fatiados agora só para os graduados da "ilha da fantasia" no planalto goiano.

- É isso que ela não entende, que ela ainda não botou na cabeça os limites de um emergente da classe C, ainda mais no meu caso que só consegui, até hoje, ser lider comunitário de minha rua a Freitas Henrique de Baixo aqui da Caixa D'Água - contra argui.

E nada mais falei e nos despedimos até outra oportunidade, eu, de minha parte, já com a resposta na ponta da lingua para dar a esposa assim que chegasse em casa. Até decorei tudo na cacholha: "Olha! sabe para onde você vai. É pra Feira de São Joaquim comprar nossos temperos".