Crônicas de Copacabana
Nara Franco
18/09/2019 às  10:39

Crônicas de Copacabana: o mundo das Senhoras dos Absurdos

O problema hoje no Brasil e, especialmente no Rio de Janeiro, é que as Senhoras dos Absurdos se tornaram presidente, governador e prefeito.


O comediante Paulo Gustavo, conhecido nacionalmente pelo filme e pela peça "Minha Mãe é uma Peça", tem diversos personagens. Entre eles, a Senhora dos Absurdos, uma senhora moradora de uma cobertura no Leblon, que liga para o prefeito pedindo ar-condicionado em toda a cidade e azulejo na praia. A Senhora dos Absurdos certamente é baseada em muitas das senhoras da Zona Sul do Rio de Janeiro, cujo horror a pobre é conhecido à "boca pequena", como se dizia antigamente. A personagem Branca, da novela "Por Amor", em reprise na TV Globo, é uma Senhora dos Absurdos. 

Loira falsa, rica, branca, a quatrocentona Branca (na novela) incrimina o namorado (pobre) da filha para não ter o DNA de sua família misturado com alguém de segunda categoria. O maior clichê da dramaturgia mundial desde Shakespeare. 

As Senhoras dos Absurdos sempre existiram desde que o mundo é mundo. E não é errado ser assim. Na Terra, o Planeta mesmo, cabe todo o tipo de comportamento, do mais careta ao mais revolucionário. O que não cabe é a ausência do direito de se fazer o que quer e de ser o que se quiser.  

O problema hoje no Brasil e, especialmente no Rio de Janeiro, é que as Senhoras dos Absurdos se tornaram presidente, governador e prefeito. De uma hora para outra, todo mundo perdeu a vergonha de soltar seu lado nazi-fascista. Pobres? Que morram! Gays? Que morram! Pretos? Que morram! Jornalista então .. somos culpados de todas as mazelas do mundo. 

Nessa nova onda, os absurdos são diários, semanais... na verdade, acontecem de hora em hora. Semana passada recebi de uma pessoa, empresário bem sucedido, terceiro grau completo, mensagem indignada acompanhada da foto de um homem segurando um livro onde se lia na capa: "Como dar o c* e ser gay". Fiquei pensando até que ponto a Senhora dos Absurdos não teria achado essa foto grosseiramente absurda. Segundo ele, tal obra foi comercializada na Bienal. 

Joguei a preguiça de lado e respondi. Primeiro, porque estive na Bienal duas vezes. Vi três pavilhões imensos repletos de crianças, jovens, adolescentes, alunos das rede pública, idosos, adultos, todos ávidos por livros, lançamentos, pela palestra do novo autor, por uma foto com o youtuber da moda. Segundo, como autora de dois livros e amiga de diversos editores, sei que nenhuma editora no mundo publicaria um tutorial sobre sexo anal. Porque até parece que alguém precisa de tutorial para se fazer sexo. E, até parece que o Google não oferece gratuitamente, os mais diversos tipos de bizarrices quando o assunto é qualquer coisa. 

Tenho a impressão que metade do Brasil não faz sexo e que a outra metade vive em orgias. Que metade do Brasil só trabalha e vive pela família e que a outra participa de bacanais eternos, onde o sexo anal é ensinado em escolas, universidade, creches e jardim de infância. Graças a Deus estou na parte subversiva. 

Uma pena, sabe? Porque a Bienal estava super bonita. Comprei para meu afilhado a coleção de Agatha Christie e para mim os diários de Churchill na Segunda Guerra. Conversei demoradamente sobre "Alice no País das Maravilhas" com uma adolescente. Foi tão legal ver as crianças correndo entre os gibis do Maurício de Souza! 

O lado bom de todo esse absurdo foi ver a Bienal lotada, querendo mostrar que a liberdade de expressão existe. No ônibus lotado voltei para minha Copacabana pensando no primeiro livro que li. Não lembro. Contudo, tenho dois "causos" sobre literatura que valem o registro: 

- aos doze ou onze anos, não sei, meu pai me deu "Vidas Secas" para ler. Li. Entendi nada. Nadinha. Zero. Mas fingi que estava tudo bem, tudo certo e que era um clássico. Anos depois, já na faculdade fiz um trabalho sobre "Vidas Secas" e um novo mundo se abriu quando finalmente entendi toda a saga de Baleia e sua turma. 

- quando a onda conservadora começou a varrer o país, usei como argumento em uma discussão o fato de eu ter lido aos 15 anos "Tieta do Agreste", um livro de Jorge Amado, um ícone da nossa literatura, onde o sobrinho tem um caso com a tia (que é puta e personagem principal do livro), a viúva da cidade guarda o pênis do marido morto numa caixa e que um dos personagens causa tremores nas mulheres por conta de seu pênis avantajado. Anos depois, "Tieta" foi adaptada para TV e todo mundo (inclusive as Senhoras dos Absurdos) achou graça das três coisas. Ou seja, as pessoas ficaram demasiadamente chatas. 


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