26/12/2017 às  14:01

METAMORFOSE AMBULANTE de festas de largo em Salvador - II

Festas como Boa Viagem, Bonfim e Rio Vermelho também não são mais as mesmas.


   Naqueles anos de 1970 não havia barraca de praia e os hotéis sequer atinavam para as gordas possibilidades da noite de Ano Novo. A classe média e os ricos comemoravam nos clubes sociais, cada qual tinha um para chamar de seu. Mas o revellion do povo acontecia mesmo era na Boa Viagem, Cidade Baixa, onde as barracas se espalhavam no largo em volta da igrejinha e iam subindo a ladeira, uma colada à outra, beirando o mar, até o forte de Mont Serrat, no alto do morro. 

De manhã, quem tinha vontade e disposição, ficava por lá mesmo, esperando a procissão marítima do N.S. dos Navegantes, que já foi só dos barcos de pescador, depois virou um grande show profano, com embarcações de todos os tipos, inclusive lanchas de luxo, todos decorados, com som mecânico ou música ao vivo, além de comes e bebes a bordo. Àquela altura, nem todo mundo ligava muito para a galeota do santo, à frente do cortejo. 

Com o tempo, tanto a Boa Viagem quanto a procissão dos Navegantes foram minguando, seguindo a decadência geral das festas de largo de Salvador. As barracas de praia aos poucos ocuparam a orla marítima e se tornaram opção para o revellion. Como tinha para todos os bolsos, o povão foi migrando da Boa Viagem para as praias, levando com ele parte da classe média, pois os clubes também acabaram.


Sem os clubes, a classe média alta e os ricos se mudaram para os hoteis, onde acontecem grandes festas animadas por bandas e artistas da música baiana, pois no fim tudo vira Carnaval. Hoje, além das praias e dos hotéis, tem revellion para o povão, promovido pelo poder público, em grandes espaços abertos da cidade. Na verdade, são shows com cantores e bandas de estilos musicais variados. Tirando a resistência e a fidelidade dos moradores da Cidade Baixa, o revellion na Boa Viagem já era, como se dizia.

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Depois da Boa viagem tem a festa de Reis, na Lapinha, que há anos pena para botar os Ternos na rua, diante do abandono que os está levando à extinção. Na primeira quinta-feira depois do dia de Reis acontece a Lavagem do Bonfim, a maior de todas as festas de janeiro. Na sequência, a Segunda-Feira Gorda da Ribeira está morta e sepultada. Fevereiro é do Rio Vermelho, com o presente de Iemanjá, Itapuã e Carnaval. Todas têm origem católica, menos Ribeira, que era totalmente profana, e Rio Vermelho, que homenageia o orixá das águas do mar.

Originalmente, quem seguia o cortejo da Lavagem do Bonfim, por pura devoção, era o povo da Bahia, negros e mulatos, vestidos de branco, pés descalços, acompanhando as filhas de santo, suas flores e potes de água de cheiro. À frente, iam cavalos e cavaleiros, bicicletas e carroças, todos ornamentados com enfeites coloridos. Tanto no Bonfim quanto nas outras festas, a folia pagã acontecia no largo, nas barracas de comida, de bebida e de jogos, em meio à poesia da roda gigante no parque de diversões. 

Hoje tem mais é turista, político, líder sindical e baiana estilizada; bandinhas de sopro e batucadas; até trio elétrico tem, por mais incrível que pareça. Também tem propaganda pra todo lado - só falta fazer merchandising nos potes de água de cheiro e nas saias rendadas das baianas; e encobrir o branco sagrado de Oxalá, ao longo do cortejo, com aqueles enormes balões (blimp, em propagandês) que já atormentam o Carnaval. 

O fato é que Bonfim e Rio Vermelho também viveram a metamorfose ambulante. São outras festas. Não se discute se hoje é bom ou ruim, se é melhor ou pior do que antigamente. O que acontece atualmente é um grande evento turístico e de entretenimento onde todo mundo aparece, menos o povo e sua cultura original.

Aliás, agora tem “festa de largo” e “lavagem” em tudo o que é beco ou pracinha da cidade, hotéis, restaurantes, bares e festas particulares. É assim o ano todo; quase nunca por uma questão de fé, quase sempre por pura orgia ou por alguns trocados a mais. 


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