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03/10/2009 às 11:01

A JOVEM GUARDA NA VISÃO DE UM REVOLUCIONÁRIO

Antonio Jorge Moura é jornalista

Antonio Jorge Moura


Foto: Arquivo
A Jovem Guarda mexeu com a cabeça dos jovens que também fazia a "revolução"
  Acompanhei a primeira década de Roberto Carlos no estrelado e comemoro com júbilo seus 50 anos de carreira. Sua primeira música de sucesso - "Tudo mais vá pro inferno" - foi proibida radicais e beatas da Igreja Católica de ser cantarolada pelos jovens de então. Mas a proibição não pegou e foi a musiquinha decolou e colocou o foguete em órbita.
 
  Vivi uma situação dúbia porque meus amigos de bairro - naqueles tempos de não-violência urbana esse conceito era cultural, incorporado à vida e o condomínio fechado ainda não havia surgido. O máximo que havia era loteamento e de ruas abertas - eram beatlemaníacos e aderiram imediatamente ao Rei.

  Mas a esquerda, com a qual eu participava da luta contra a ditadura militar pós-64 e pela redemocratização do Brasil, torceu o nariz para o amigo do Tremendão Erasmo Carlos, de Wanderléia, de Martinha - diziam que eles tinham um "caso" - e toda turma da Jovem Guarda.

  À noite, depois do jantar, nos reuníamos no passeio da casa da família dos amigos para cantar as canções de Roberto Carlos acompanhados do violão. As calças foram apertadas, passaram a ter boca de sino. A indumentária da juventude incluiu as botinhas carrapetas, as camisas de babado e a mini-saia. A televisão já havia chegado às casas e o comediante Ronald Golias era o máximo de humor.
 
  Há muito havíamos deixado de freqüentar a barbearia. Os frascos de Brilhantina Colgate e de Loção Glostora tinham sido aposentados na prateleira do banheiro. Os pentes foram substituídos por escovas para ajeitar os cabelos compridos. Passamos a ser chamados de "os cabeludos".
 
   Na mesma época do Rei começou a "Revolução Sexual". As meninas passaram a assumir plenamente sua dimensão feminina e os relacionamentos deixaram de ser exclusivamente "para noivar e casar".

  O Rei chegou acompanhado de mudança nos costumes. As serenatas nas areias brancas do Abaeté passaram a ser o máximo para a juventude. Os namoros começavam a ser mais ousados. Fumar e beber cerveja passaram a ser sinônimos de liberação feminina. Era status de avanço no comportamento amanhecer fazendo parte de grupos de homens e mulheres no Abaeté dedilhando a viola e cantando canções de Roberto Carlos, de Chico Buarque de Holanda, Geraldo Vandré e do Quarteto em Si.

  Os festivais da canção realizados no Maracananzinho, no Rio de Janeiro, e transmitidos pela TV traziam grandes novidades musicais, como "Disparada", cantada pela voz de Jair Rodrigues. Mas Roberto Carlos não deixava de ser moda. No cinema, a fita "Roberto Carlos em Ritmo de Aventura" batia recordes nas bilheterias e a música "Calhambeque" estava em todas as paradas de sucesso.

  A indústria automobilística dava seus primeiros sinais no Brasil. Gordini, Dolfine e DKW substituíam os velhos carrões importados dos Estados Unidos. A Volkswagem alemã deu a partida na civilização da linha de montagem que iria desembarcar no metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva e no caos urbano da atualidade.

  Roberto Carlos era popular tanto quanto o "fusquinha". Algumas instituições não haviam ainda saído de moda: festa de 15 anos com dança de valsa, casamento na igreja com véu e grinalda, despedida de solteiro e baile de carnaval nos salões dos clubes. Roberto Carlos viveu a transição da sociedade dos anos 50 do século passado para a sociedade do século XXI, e está aí firme. 


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