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06/09/2020 às 08:24

BRASIL EM RETROCESSO. O SONHO ACABOU? por SAMUELITA SANTANA

Samuelita Santana é jornalista

Samuelita Santana

Me ponho silenciosa a refletir esse triste momento do país. Triste por tudo! Pela pandemia que nos assola, pelos inacreditáveis mais de 125 mil mortos,  brasileiros que se foram assim repentinamente e de forma tão solitária, por tantas famílias enlutadas, pela falta de solidariedade genuína de um governo que enfrentou a crise de forma tão negligente e, ainda, pela natureza perversa de certos gestores - com matizes políticas diversas, diga-se - que aproveitaram-se da permissão circunstancial de realizar compras de insumos de combate ao vírus, sem licitação,  para praticar irregularidades, fraudar e desviar recursos  da saúde 

Estamos falando de pessoas públicas que um dia se propuseram servir profissionalmente ao país, à população, à sua cidade e que agora, de forma sórdida e num momento tão crucial, retiraram o fôlego de pessoas gravemente infectadas pela Covid-19, ao desviarem dinheiro de respiradores e equipamentos destinados a lhes salvar a vida. São ao menos 11 estados brasileiros sendo investigados por essas ações fraudulentas, além do Distrito Federal e cerca de 410 procedimentos abertos que podem resultar em processos criminais, segundo o MPF. O custo dessa roubalheira, segundo levantamento divulgado mês passado, ultrapassa a casa de R$ 1,4 bilhão. 

Se os fatos tristes parassem por aí já seria uma carreta atropelando a nossa alegria. Mas não! Tem outras nuvens densas espalhando-se sobre os céus do Brasil e prometendo desaguar sem cerimônia sob as nossas mais preciosas esperanças: aquela que temos de rasgar o arquétipo de impunidade no país e a outra de continuar avançando largamente na luta contra a corrupção sistêmica, apresentando resultados inegavelmente práticos, promissores e significativos. 

Deixando de lado qualquer mania conspiratória, absolutamente ninguém entre nós está enganado ou deixou de perceber o que os poderes em suas altas esferas estão tramando contra Lava Jato. Até porque, se antes se fazia cortina de fumaça para esconder as verdadeiras intenções, agora tudo está muito às claras, despudoradamente escancarado e sem nenhum jogo de esconde-esconde ou preocupação com mentes ou movimentos éticos que possam surgir. A ideia é dissipar mesmo o fumacê é deixar bem explicado: habemus a força. 

Observar com os olhos estatelados e a garganta seca a demolição de um trabalho tão extraordinário e de importância histórica para um país danosamente afetado pelos malfeitos de agentes públicos e corporações a eles vinculados, não é apenas desalentador. É angustiante, é feio, é vil. A ONU estima que o Brasil perde cerca de R$ 200 bilhões com esquemas de corrupção anualmente.  Somente no caso do Petrolão, investigado pela Lava Jato, os desvios de recursos que sangraram da estatal bateram a estratosférica marca de R$ 42,8 bilhões, segundo dados da Polícia Federal.

MIB - homens de preto, ternos e togas 

Durante os seis anos em que atuou,  independentemente de qualquer crítica de arroubos que se faça a ela, a força-tarefa Lava Jato foi a maior investigação de combate à corrupção já realizada no Brasil. Basta olhar para os números que a operação produziu desde o seu começo, em março de 2014, para que a sua magnitude fique visível. O legado da Lava Jato não impressiona só no Brasil, mas no mundo inteiro, onde a operação repercutiu e foi considerada a mais relevante e a maior na história da humanidade, tendo realizado investigações conjuntas com autoridades de 17 países. 

Até aqui, foram 70 fases deflagradas, quase 300 prisões decretadas - incluindo as de altos chefes políticos e importantes figuras empresariais - , mais de 1.300 buscas e apreensões, 500 pessoas acusadas, 52 sentenças, 253 condenações, cujas penas aplicadas somam 2.286 anos. Condenações essas que, ao que parece, serão gradativamente anuladas em acordos e manobras jurídicas, deixando livres criminosos que assaltaram os recursos que o país deveria ter investido na saúde, na educação e na qualidade de vida de sua gente. Ao que parece também, segundo os supremos julgadores do país, a tal "parcialidade" dos procuradores da Lava Jato e os recursos legais que utilizaram para investigar e julgar casos tão complexos e envolvendo figuras poderosas da estrutura do Executivo, do Legislativo e empresarial, são fatos mais "ilegítimos" que o próprio crime de corrupção, formação de quadrilha desvio e lavagem de dinheiro público. 

Condene-se então os juízes e procuradores da força-tarefa que recuperaram nada menos que R$ 18,3 bilhões em mãos de corruptos para devolverem aos cofres públicos e, liberte-se a organização criminosa Seria isso então? Ora, ao longo desses 6 anos a Lava Jato firmou 204 acordos de colaboração e 14 acordos de leniência, devolvendo aos cofres da Petrobras mais de R$ 3 bilhões, além de R$ 416,5 milhões aos cofres da União e R$ 59 milhões para a 11ª Vara da Seção Judiciária de Goiás, em função da operação que envolveu a Valec. Em favor da sociedade foram revertidos   R$1,1 bilhão através de acordos firmados com concessionárias. Nada disso parece contar quando se trata de acordos espúrios traçados dentro dos poderes judiciais, executivo e legislativo para demolir a Lava Jato. E aqui não se trata de obsessão. Mas de salvar as próprias peles e não fechar as portas do enriquecimento ilícito.  

Um país onde MIB - Homens de Preto - ternos e togas- utilizam -se de manobras enfeitadas de legalidade para livrar quadrilhas lesas-pátrias de suas condenações, depreciando, apontando falhas e condenando procuradores e juízes  que corajosamente empenharam suas especialidades e conhecimento na luta contra a corrupção e contra a impunidade desses poderosos ladrões, é mesmo um pais pandêmico, anormal, imoral, ilegal, triste e infeliz 

Tao sórdida quanto a perversa ação de gestores que roubaram o direito de respirar de pacientes em estado grave pela Covid-19, são as ações dos que roubam o direito do pais de sonhar, ter esperança e de acreditar que é possível, sim, viver num lugar onde crimes e bandidos sejam combatidos e devidamente punidos, independentemente de sua classe social, cargo, crença ou cor. Não importa se influentes, poderosos, ricos, pobres, brancos ou pretos, crentes ou incrédulos. A ordinária conspiração para destruir a Lava Jato só deixa no coletivo brasileiro o amargo gosto de que punição e cadeia, nesse país, só vale para pobres e pretos.


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