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25/11/2019 às 12:26

NO MEU TEMPO DE MENINO: PERGUNTAS QUE FICARAM SEM RESPOSTAS

A série de crônicas de Tasso Franco sobre "No Meu Tempo de Menino", em Serrinha, vira livro, em 2020

Tasso Franco

  Do meu tempo de menino, velha Serrinha idos de 1950, algumas perguntas ficaram sem respostas às nossas interrogações, pois, a curiosidade daquela época sem meios de pesquisas era grande e não tínhamos auxílios bibliográficos, salvo nossos pais e as professoras, com linguagem oral na base do que sabiam.

  Algumas dessas questões persistem até os dias atuais. Não são complexas, de matemática ou física. Dúvidas comezinhas, do dia a dia, e que estavam nas bocas e mentes das crianças. Dizia-se que, cada cabeça de menino, como se propagava, era de vento, mas, ninguém pirou por isso embora muitas discussões, entre nós, fossem travadas em buscas de respostas.

  A primeira questão delas, bem singela, era a seguinte: - Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? 

  Todos nós conhecíamos galinhas de terreiro, a cidade ainda não tinha galinhas de granjas, portanto, um animal bem familiar do nosso cotidiano. Lá em casa tinha várias e meu avô jogava milho pra alimentá-las. 
  
  Era uma festa para nós colher ovos das galinhas no terreiro.

  E agora! Se o ovo saia do traseiro da galinha, em tese, não poderia ter surgido antes do animal. Ora! Mas se a galinha era gerada do ovo, a gente via no terreiro, as galinhas chocando ovos nascendo os pintinhos, daí que primeiro teria vindo o ovo.

  A discussão empacava num círculo, uma vez que nós também víamos, eu e meus amigos de infância, que o ovo saía do traseiro da galinha. 

  Ninguém conhecia a teoria darwiana (do naturalista inglês Charles Darwin) da evolução da espécie, a professora não sabia explicar, nossos pais muitos menos, nem o padre conseguia dar lógica a essa situação, e a dúvida persistiu. Crescemos sem essa resposta.

  Uma outra questão que habitava nosso universo ensinada na igreja e na escola primária era sobre a arca de Noé e o dilúvio.  Houve isso?

  Na narrativa bíblica, teria havido um dilúvio no mundo - nossa cidade situava-se no semiárido, seca e a gente duvidava que o dilúvio tivesse chegado até nós - e um homem barbudo, quase um Deus, construiu uma enorme arca e colocou no seu interior casais de animais, de todas as espécies, para livrá-los da morte e passado o dilúvio voltaram a terra e deram continuidade as espécimes.

  A gente tinha muitas dúvidas a respeito dessa história porque as imagens que nos mostravam eram da arca com girafas, elefantes, zebras, tigres, cobras, etc, bichos que não conhecíamos e não eram do nosso cotidiano. E a gente não via nossos bichos do sertão na arca: urubus, coleiros, corujões, tatus, preás, codornas, teiús, rolas, etc, e ficava na dúvida se essa história era verdadeira.

  Lá na rua a gente tinha medo dos corujões que pousavam e grunhiam no "óculo" do chalé do meu avô e uma dia falei pra meu paí que Noé não deveria ter salvo os corujões do dilúvio. Bichos medonhos. Meu velho respondeu que isso era coisa da igreja, história da carochinha.

  A resposta foi ainda mais complicada porque eu não sabia nada de preceitos religiosos e desconhecia a carochinha, personagem da cultura portuguesa que era bonitinha e se casou com João Ratão, um guloso que morreu torrado na panela de feijão da carochinha.

   Ouvimos muito essa expressão "história da carochinha" que significa, uma bobagem, uma invenção, uma mentira. 

  Vai ai um trecho do conto da carochinha: Era uma vez uma linda Carochinha que queria muito casar mas não tinha dinheiro. Um dia, estava a varrer a cozinha e encontrou uma moeda de ouro. Toda contente, foi
comprar um vestido novo e pôs-se a cantar à janela:
-Quem quer casar com a Carochinha, que é rica e bonitinha?
-Quero eu!
-E quem és tu? – perguntou a Carochinha.
-Eu sou o boi.
-E sabes cantar para me alegrar?
-Sei e muito bem: muh, muh, muh!
-Cantas muito mal! Contigo é que eu não me vou casar! 
                                                                            *****  
   O certo é que nunca tivemos uma resposta para a arca de Noé e os nossos bichos daí que ficamos também sem essa resposta, uns acreditavam; outros não.
  
   A terceira e última questão, pra não alongar muito essa escrita, era se havia vida depois da morte. 
  
  Questão complexa que ninguém sabia responder. Havia mil teses, cada qual defendendo seu ponto de vista, mas, obviamente sem convencer a ninguém. 
  
   Essa dúvida nos assaltou quando morreu Antonio Neto que era filho do prefeito Carlos Mota, nosso colega de escola, bem jovem, menino, e a gente ficou com aquilo na cabeça, se ele iria voltar ou não, porque a professora dizia que ele era sem pecados e fora para o reino de Deus, um lugar maravilhoso.
  
  E existia mesmo esse reino? 
  
   No recreio da escola as discussões se prolongavam. Como meu pai era espírita, meu irmão Bráulio medium, eu acreditava na vida depois da morte porque meu irmão se transformava quando doutor Bezerra baixava nele. E depois ficava normal. 
  
   Como poderia acontecer aquilo? Então, em princípio, tinha mesmo uma vida no outro mundo. Um espírito entrando no corpo de um homem e falando a voz dele e não do meu mano.
 
   Pelo sim; pelo não ninguém queria morrer. Se tem uma coisa que menino detesta é morte e enterro. Não entedem nada. É assim até hoje. 

  As familias não gostam de levar os menores para os enterros sequer dos avós porque, de repente, elas podem ficar brincando na capela onde o defunto repousa e algunus parentes choram.
  
  As crianças de hoje, com as novas tecnologias, sabem das teorias da evolução das especimes, da origem do "sapiens", da ficcional história da arca de Noé, mas, ainda persiste a dúvida sobre a última questão se existe vida depois da morte.
  
   Em parte, quero mostrar a vocês, que as crianças de hoje são muito parecidas com as crianças do meu tempo de menino. 


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