Economia

SECA: Por um SEMIÁRIDO SUSTENTÁVEL, por MILTON CEDRAZ

Milton Cedraz Engº Agrº Técnico em Desenvolvimento Econômico pela Cepal/ONU Consultor do Pnud/ONU mcedraz@globo.com
Milton Cedraz , Salvador | 15/03/2017 às 11:04
Barragens precisam ter aproveitamento racional da água
Foto: PN
   A seca é um fenômeno natural e previsível, em todas as regiões semiáridas do mundo. 
Por vezes ela atinge regiões úmidas periféricas, sem que seus efeitos sejam tão severos quanto no próprio semiárido. 

   Embora previsível, a seca ocorre em períodos anuais e em intervalos em torno de dez anos ou mais. Isso faz com que o governo e as pessoas acabem por baixar a guarda.
 
   Por outro lado, pelo menos no Brasil, em vez de se procurar tirar partido da aridez dessa região e aceita-la como tal, procura-se, através de políticas publicas,  tentar transforma-la em zona úmida.
 
   Em razão disto, constroem-se imensas e numerosas barragens para depois deixa-las à sua sorte, sem um consistente programa para sua manutenção e utilização.
 
   É como se a simples construção de uma barragem resolvesse todos os problemas da região semiárida a que deve servir.
 
   Poucas foram as barragens construídas que tiveram um plano de utilização bem definido. No máximo, o aproveitamento previa o abastecimento de população e irrigação. 

   Assim mesmo, algo fluido e sem precisão de uso. Na maioria das vezes, mal dimensionadas, visando aproveitar a qualidade e dimensões do boqueirão barrável, dimensionando-se uma estrutura de barramento sem nenhuma coerência com a vazão regularizável. 

   Com isso, na maioria das vezes, o barramento permite acumular grandes volumes efêmeros, pois que, boa parte da água acumulada, nada acrescenta sobre a vazão regularizável, pois, as águas se espraiam em baixas profundidades e com isso acabam criando imensas áreas de evaporação.

  Barragem nunca deve ser dimensionada, nem avaliada pelo volume que acumula, mas sim, pela vazão regularizada que propicia.

   Essa vazão é quem determina a capacidade de uso das águas acumuladas pelas barragens. 
Sobradinho, por exemplo, propicia uma evaporação em torno de 200m³/s. Para se ter uma ideia, Pedra do Cavalo regulariza uma vazão em torno de 70m³/s. 

   O que significa dizer que a evaporação em Sobradinho representa cerca de três barragens de Pedra do Cavalo! Ter-se-ia então alternativa para Sobradinho? Claro que sim! Já que ela foi construída para regularizar vazões para as hidroelétricas de jusante. Deveriam, em vez disso, ter-se construído diversas barragens nas montanhas mineiras e no oeste da Bahia, regiões responsáveis pela produção de agua do rio São Francisco, já que a contribuição dos rios da margem direita é praticamente nula, por se tratar de rios intermitentes, localizados na região semiárida. 

   Dessa forma, não só se evitaria grandes perdas por evaporação como se poderia melhor planejar o uso das águas do São Francisco, em particular a navegação e a irrigação.

   Assim, um dos parâmetros definidores para construção de barragens deve ser o custo do metro cubico regularizável. Comparados entre si, deve-se eleger o eixo narrável ou mesmo alternativas entre barragens, que apresente o menor custo de investimento por metro cubico regularizável e, evidentemente, que se destine ao uso múltiplo.

   O que o semiárido precisa mesmo é de um programa semelhante ao realizado para o sul da França semiárido. Neste, sem solução de continuidade e adotando-se politicas públicas adequadas, após trinta anos, conseguiu-se transformar uma região problemática e atrasada, em uma das mais ricas da França. 

   Assim como lá se fez, precisa-se definir e massificar o conhecimento de tecnologias adequadas para o semiárido, sem que se dependa de agua para sua sustentabilidade. 

   No máximo se deve procurar estabelecer pontos confiáveis de água para abastecimento humano e de pequenos animais. 

   O agronegócio, certamente procurará os meios, seja para irrigação seja de produtos de sequeiro que tenham mercado assegurado, cabendo ao governo incentiva-lo por todos os meios.
 
   A agricultura familiar poderá ser o esteio dessa sustentabilidade desde que se desenvolva e massifique a difusão dos conhecimentos a partir de modelos de exploração agropecuária, bem definido. 

   Numerosas e importantes experiências têm sido desenvolvidas pela Embrapa Semi-Árido, sem que se tenha consolidado um modelo de exploração sustentável de sequeiro, para a agricultura familiar. 
Precisa-se, isto sim, definir-se e experimentar-se uma política para agricultura familiar, de sequeiro, apoiada pelo agronegócio ou cooperativada, que completaria a cadeia produtiva.
 
   O modelo poderia, por exemplo, definir o tamanho ideal da unidade familiar e o conjunto de atividades que demandem o mínimo de água e, se possível, não sofrer impacto algum nos períodos de seca. Mas como se poderia chegar a esse milagre? Primeiro, rastreando o uso do caminhão pipa e criar, para substitui-los, pontos confiáveis de agua. Segundo, definir e massificar a tecnologia para geração de produtos de sequeiro. 

   A definição do tamanho da área é função da capacidade de gerar renda a partir de atividades na pequena propriedade. Assim, se poderia, por exemplo, diversificar a produção com sisal, palma, mamona e xilopódio, (uma espécie de palmito desenvolvido a partir na raiz do umbuzeiro e cultivados em canteiros semeados com caroço do umbu,) além do criatório de galinhas, para produção de ovos e de cabras, para produção de queijos, com exigência mínima de água.
 
   Com tecnologia adequada e diversificação da produção, será possível que a unidade venha a produzir o suficiente para a subsistência familiar e formação de alguma poupança, capaz de avançar na produtividade e proporcionar a independência econômica e financeira da unidade familiar. 

   A distribuição e ou financiamento subsidiado das unidades produtivas seriam condicionados ao treinamento intensivo do grupo familiar, em unidades criadas para esse fim. Somente depois de devidamente treinados, os grupos familiares receberiam o seu lote ou, se já existentes, financiamento para, enquanto concluísse o treinamento, irem instalando as atividades, aplicando os ensinamentos adquiridos, a partir das parcelas liberadas pelo financiamento.
 
   O restante da cadeia produtiva, por sua vez, seria objeto de implantação simultânea, de modo que na conclusão do assentamento e do financiamento, ambos estariam maduros para produzir e comercializar. 
O mesmo poderia ser aplicável para qualquer propriedade agrícola do semiárido, desde que adote o modelo especificado.