Cultura

JANELAS ABERTAS PARA AS DESSEMELHANÇAS BAIANAS, p ZÉDEJESUSBARRÊTO

zédejesusbarreto, escrevinhador, jornalista, estudioso e amante da Bahia.
ZédeJesusBarrêto , Salvador | 23/01/2021 às 12:06
Por Antônio Risério e Gustavo Falcón
Foto: REP

  Cultura é o fazer criativo humano. Que se manifesta na arte, no caminhar, no sotaque, no vestir, pentear, nos utensílios, na comida, no meio de transporte, nos cantos e encantos, nos gestos, nas crenças, nos jeitos, nos hábitos e comportamentos, enfim, do dia a dia. É o que dá identidade a um povo.

  A cultura, esse fazer humano, tem a ver com a história de cada gente, suas caminhadas, suas trocas e misturas ao longo do tempo, sincretismos, modos de produção, relações de trabalho e convivência, disputas e aconchambramentos. A cultura resulta do conviver grupal.

 É esse o assunto aberto e bem tratado no livro “Bahia de Todos os Cantos – Uma Introdução à Cultura Baiana”, do professor, sociólogo e jornalista Gustavo Falcón, em parceria com o amigo escritor, pensador e poeta Antônio Risério, baianos recôncavos. A obra impressa de 400 páginas, ilustrada com fotos, tem a conhecida qualidade da Solisluna Editora; capa de Enéas Guerra, projeto gráfico e design de Valéria Pergentino e Elaine Quirelli. Recém lançado.

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 Como diz o sub título do trabalho, o foco é a cultura baiana. Ou melhor, diríamos, as diversas culturas que floresceram/florescem nas várias Bahias que temos dentro desse vasto território que vai do extenso litoral atlântico – de Sergipe ao Espírito Santo, passando pela Baía de Todos os Santos e terras do chamado descobrimento – aos sertões, todos, invadindo a Chapada, atravessando o rio São Francisco, chegando ao Oeste do fértil cerrado. Climas, temperaturas, terras, ocupações, geografias, povoações e histórias diversas.  A Bahia é um mundo.

Melhor ler um trecho do livro, página 25:

 “... a Bahia é feita de várias. Bahia da barca e do aboio, das grutas do sertão e das praias cheias de sol, da seca interiorana e dos aguaceiros litorais, da araponga e do beijupirá, da caatinga e dos manguezais, da marujada e da chula, do saveiro e do carro de boi, do mandacaru e dos coqueiros, das missões e procissões, do diamante e do massapê, da cachaça e do vinho, do acarajé e do milho verde, do baião e do samba de roda, das bandas de pífaros e dos trios elétricos, da moqueca de arraia e da carne do sol com pirão de leite, do gibão de couro e da saia rendada, dos mandus de carnaval e das beatas rezadeiras, das carrancas e dos caxixis, da missa do vaqueiro e do xirê dos orixás, do messianismo popular e dos cânticos e atabaques politeístas”.

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  O texto inteiro é saboroso, embora se possa bem distinguir a prosa mais leve do olhar poético de Risério do texto mais preciso de acuro acadêmico de Falcón, mestres ambos da escrita, bons de ler a goladas. E eles, todo tempo, nos remetem a outros autores, clássicos, a novas leituras, instigando-nos ao aprofundamento de cada assunto, de cada capítulo, a nos abrir portas e janelas, apontando caminhos.

  São histórias de conquistas, matanças de índios, violências de toda sorte, compadrios, chicotes e catequeses, são passeios por tantas águas de mares, de rios, caminhos, estradas abertas por boiadas, canoas, entradas desbravando mato em lombos de burro, em busca de ouro e poder, histórias de disputas, ambições, escravidão e conchavos, destruição e achados, descobertas, milagres e assombrações, de construções, feitios, recuos e avanços ...  como assim é feita a vida e assim, de uma forma ou de outra, estamos ainda a moldar e tecer essa Bahia que precisamos conhecer inteira, compreendê-la  melhor em toda a crueza e beleza de sua diversidade.  Até para melhor podermos amá-la.  Ou não.

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  “Séculos de história intensificaram ... essa mistura, instituindo a pluralidade e o sincretismo como elementos marcantes desse processo de aculturação. A catequese, a conversão, a cooptação e a repressão não funcionaram cem por cento, no sentido de se impor os valores dos dominantes sobre os dominados. Resultou, de toda essa dialética de enfrentamento, um entrecruzamento permanente e uma adaptação criativa que decorrem do grau de forças do momento e da capacidade de os de cima submeterem e de os de baixo resistirem.

 A mistura se refletiu na língua, que se abrasileirou; na raça, que se mestiçou; na religião, que se sincretizou; na comida, que se misturou; no sexo, que se generalizou; e na forma de pensar, sentir e agir, que se pluralizou, com todas as implicações daí decorrentes”.

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  Sim, esse Bahia de Todos os Cantos – Uma Introdução à Cultura Baiana torna-se leitura obrigatória, indispensável para todos os que se identificam com o conhecimento histórico da nossa realidade. Como bem assinalou Gustavo Falcón, no texto de introdução, depois da leitura dessa obra não será possível, jamais, que vejamos a Bahia do mesmo jeito.

  Nos resta louvar e agradecer.

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