Cultura

FUTEBOL, MAIS QUE ESTATÍSTICA, PURA EMOÇÃO, por WALMIR ROSÁRIO

*Radialista, Jornalista, advogado e botafoguense
Walmir Rosário , Bahia | 24/10/2020 às 12:05
Bandeira do Botafogo
Foto:
  Nesta quinta-feira (22), recebi um monte de manifestações de amigos por conta da crônica “Flamenguistas querem esquecer o jogo do senta”, um texto despretensioso com o objetivo de lembrar o futebol arte. Amigos parabenizaram, outros nem tanto, fizeram beicinho, mandaram de volta escudos do Flamengo, José Senna reclamou que futebol não era museu, o mestre Isaac Albagli respondeu com crônica no Jornal Bahia Online.

  Tudo no campo das ideias, o que considero pouco para o futebol, a alegria do povo, o esporte jogado com os pés, inventado pelos ingleses e que contagiou o mundo. Homens e mulheres praticam atualmente o esporte bretão – como diziam nossos cronistas esportivos – com a mesma habilidade, enchendo estádios, criando uma rivalidade entre torcedores. Não é mais a pátria de chuteiras, mas ainda é o número um dos esportes no mundo.

  Sou um botafoguense de quatro costados, é fato, e é justamente por isso que consigo ver o futebol por outro prisma. Só quem é botafoguense sabe ver nesse esporte uma paixão. Há quem diga que somos abilolados, apenas dou risadas, pois determinadas coisas só acontecem com o Botafogo. É roubado em campo, mas não apela para a violência, seja qual a qualidade dos jogadores. Não falei de placar, goleadas, mas de vexame.

  Me lembro de do botafoguense João Saldanha na rádio Globo, nos anos 1970, que prestou uma homenagem ao Fluminense com a narração do gol do Botafogo, justamente na partida em que o Fogão ganhou por um a zero, tinha o maior número de pontos e se consagrou apenas vice-campeão carioca. Armação dos cartolas da triste Federação Carioca, que modificou as regras em pleno campeonato para beneficiar o time de Horta.

  O Botafogo é diferente. Mesmo com um time modesto, o torcedor vai a campo e torce até mesmo nos treinos, talvez pela tradição. O Botafogo nunca foi simplesmente um time de futebol e seus atletas jogadores, ao contrário, sempre foi uma constelação, formada por estrelas de primeira grandeza, de fazer inveja aos rivais. Lembra do goleiro Manga, aquele que cobrava o bicho antecipado nas partidas contra o Flamengo. Isso é ser botafoguense.

  Mas vamos falar de qualidade. A Seleção Brasileira somente se firmou no contexto internacional, ganhado copas do mundo, quando a maioria do nosso selecionado era formada por jogadores da estrela solitária. Nada que desmereça os demais, apenas cedeu os jogadores certos – junto com o Santos – para fazer o selecionado canarinho brilhar e ganhar nos campos da Europa.

  Como não lembrar da grandeza do lateral esquerdo Nílton Santos, a enciclopédia; o meio-campista Didi, inventor da folha seca; o ponteiro-esquerdo Zagalo, o formiguinha que criava em todo o campo; e Garrincha, o mago dos dribles...Mas ainda é pouco. Amarildo, o possesso, que substituiu – à altura – Pelé na copa de 62 no Chile. Rildo, o furacão Jairzinho, o canhotinha Gérson, o centroavante Roberto e Paulo Cezar Caju fizeram história nas copas.

  Gosto de lembrar do Botafogo de todas as épocas e nem vou consultar os anais dos campeonatos para falar do bom futebol brasileiro. Nós – da torcida que cabe numa kombi – como dizem, sempre fomos maioria até mesmo no Alto Beco do Fuxico, para o desespero do saudoso amigo e irmão Renan Sílvio Santos, José Senna (ambos flamenguistas) e et caterva.

  E logo no Alto Beco do Fuxico, local onde os confrades debatem futebol entre uma cachaça de qualidade e cerveja bem gelada, desde os tempos que éramos servidos por Ithiel, torcedor do Fluminense. Nesse ponto concordo com Isaac Albagli, não há lugar melhor do mundo para um debate futebolístico do que em mesa de bar. Parece que os dribles dados nos adversários são mais bonitos, os gols mais espetaculares.
Confesso que mesmo perdendo o jogo não abandonamos a piada. Não há nenhum demérito admitir que atualmente o Flamengo é a maior equipe do Brasil em número e qualidade de craques. Pelo contrário, eu, que gosto do futebol bem jogado, me sinto feliz quando o Botafogo enfrenta o todo-poderoso Flamengo e empata ou perde o jogo com o decisivo gol do décimo terceiro jogador, o VAR (o décimo segundo é o juiz central). 

  Gosto das prateleiras empoeiradas de onde retiro as glórias do Botafogo sobre o Flamengo, apenas para mostrar nossa altivez – na terra e no mar –, aplicando as merecidas surras. Quando perdemos, nos recolhemos, mas em nenhum momento sumimos do convívio das torcidas coirmãs, acredito por possuirmos o couro grosso e a experiência de apanhar e bater.

  Minha estrela é mais que solitária, é altaneira como a constelação que sempre foi o Botafogo, daí a diferença entre o botafoguense e o flamenguista. Não ficamos emburrados, chorando o leite derramado. Apenas sabemos diferenciar a emoção dos números frios da estatística da paixão. Nada melhor do que ganhar bem, no campo. Perder é apenas uma consequência que faz parte do futebol. 

  Gostaria de dedicar essas mal traçadas linhas a um flamenguista, o saudoso José Adervan, que hoje estaria feliz com o seu Flamengo, mas nem por isso chorava quando perdia para o Botafogo, apenas pagava o churrasco da aposta feita ao não menos saudoso botafoguense Robson Nascimento. E continuaremos o papo apreciando uma cervejinha e uma branquinha, com ou sem pandemia, afinal estaremos protegidos pelo chapéu e os artigos etílicos.