Cultura

NO MEU TEMPO DE MENINO EM SERRINHA VI UM AVIÃO EM 1950, p TASSO FRANCO

Essa é a última crônica de uma série de 30 iniciadas em 2015 e que farão parte de um livro a ser editado, em 2020
Tasso Franco , da redação em Salvador | 30/08/2019 às 18:51
Zina Hortélio, Celina Carneiro e amigas em passeio no campo de aviação, 1935
Foto: Museu Pró Memória Serrinha
   Salvo lapso da cachola, uma vez que a memória depois de longos anos de uso às vezes falha, era menino de 5 anos brincando no jardim do chalé dos meus pais, na praça da Usina, quando ouvi um zoada assustadora no céu do largo à minha vista, quando a garotada que jogava bola à frente de nossa casa gritava: é um avião!!! é um avião!!! 

O avião deu uma rasante na praça, fez uma curva na altura do coreto municipal em frente a igreja matriz, na outra praça majestosa da cidade, tomou rumo da Transnordestina como se fosse em direção à capital e depois de passar sobre a linha do trem pousou no campo de aviação. 

Fiquei tão admirado com esse fato, ver um avião pela primeira vez, em 1950, que corri logo para falar com minha mãe: vi um avião!!! vi um avião!!! em estado de êxtase. Minha mãe respondeu: - É, de vez em quando aparece um avião por aqui. É o pessoal que trabalha na estrada da seca.

O Campo de Aviação de Serrinha nasceu no início dos anos 1930, da seca de 1932, quando o governo federal através da Superintendência de Obras Contra a Seca construiu a estrada para Araci (1935) campo situado próximo do açude do Gravatá escavado na época de Miguel Calmon, ministro da Agricultura (1905) para facilitar o trabalho dos engenheiros e técnicos que trabalhariam na estrada.

No meu livro sobre a história de Serrinha, segunda edição, coloquei na contra-capa uma foto de Zina Hortélio, Celina Carneiro e uma outra amiga não identificada, que data de 1935, elas posando ao lado de um Ford de Bigode no Campo de Aviação, que era um local de lazer, de passeio. No detalhe da foto (vide), ao fundo, tem um grupo de mulheres vestidas a caráter passeando no campo. Ao que tudo indica era um dia de domingo.

Veja que pioneirismo da Serra cidade que já tinha uma estrada de ferro desde o final do século XIX e possuia um campo de pouco para aviões de médio porte, em 1934, 7 anos depois que foi fundada a Varig. Quando eu era menino maior jogando bola no largo da Usina, por volta de 1955, passou outro avião em rasante e desta feita, eu e a turma do baba paramos o jogo, saimos correndo em direção ao cemitério do padre, rumamos até a fonte de Sêo Lorens, atingimos o posto fiscal da estrada que ligava Serrinha a Salvador e pegamos um retão até o campo para ver o avião.

Foi uma alegria imensa e discussões intermináveis. - Só tem um motor, dizia Boquinha, nosso ponta-esquerda. - E essa marca aí PTA é o que, confessava o meia-armador Miro. - É a placa do avião, respondia Toinho. - Os pneus deles são diferentes dos de carros, admitia Nelsinho. - É pra não estourar no impacto com o chão - arrematava Zé Potó.

A essa altura os pilotos e os passageiros já tinham pego um jepp de praça ou de Pandunga ou de Pebão e ido para a cidade. Os aviões sempre que chegavam em Serrinha davam uma rasante na Praça Luís Nogueira como se estivessem avisando aos motoristas: - Vão nos pegar.

Serrinha nunca teve uma linha regular de voos como Barreiras ou Ilhéus porque havia uma linha de trem de passageiros para Salvador, algo em torno de 6 horas para se chegar à capital. Foi por essa linha que na campanha civilista de 1919, Ruy Barbosa, primeiro candidato a presidente da República a pisar na cidade dias 4 e 5 de dezembro, chegou na gare do trem. O segundo a tal façanha foi Ademar de Barros, em 14 de setembro de 1960, e chegou para ser recepcionado pelo prefeito Carlos Mota no campo de aviação com um bimotor dos grandes, quase um turbo hélice, fazendo uma poeirada enorme.

Foi um acontecimento e tanto, mais para ver o avião do que a Ademar, ainda que o candidato se destacasse porque era alto, narigudo, grandão e Carlos Mota e sua trupe de homens baixos e medianos. O campo tava lotado de gente e a partida do avião foi ainda mais emocionante quando se deslocou para decolar na cabeceira da pista, o poeirão subiu, e o pássaro alado voou. Ficamos de queixos caidos.

O tempo passou fiquei rapaz e aprendi a dirigir o jeep Willys de meu pai no campo de aviação que passou a ter, também, essa finalidade. Meu irmão já era oficial da PM e tinha um sd ordenança chamado Dinho, o qual morava em Serrinha. Dinho era PM e motorista nas horas vagas. E foi ele que me ensinou a dirigir no terreno do campo que era amplo e poderia barbeirar sem bater em ninguém. Depois de algumas aulas no campo, o jeep dando aqueles saltos, melhorei e peguei a BR. 

Ainda nos anos 60/70, o campo de aviação tornou-se local de fazer programas com as moçoilas diante da popularização dos veiculos. Às vezes, se estacionava por lá e havia um ou dois outros carros esperando algum avião voar.

Nos anos 1990, na campanha de Pedro Irujo a deputado federal, um 'king-air' bimotor pilotado por Miguelão trouxe o político basco até Serrinha e foi uma festa no campo. Eu o recepcionou com alguns amigos e correligionários do antigo PRN com Veinho e Reizinho.

No governo Paulo Souto instalou-se no campo já com suas margens invadidas por residências e com pouco ou nenhum uso, uma fábrica de calçados. Nas proximidades, Antônio Lomes, empresário do ramo de comunicação (rádios) construiu um campo de aviação.

São lembranças do meu tempo de menino e que chegaram a época de adulto. Mas, nada foi mais emocionate do que aquele 1950, lá se vão 70 anos, que vi o primeiro avião no céu da Serra.