Cultura

Crônicas de Copacabana: Reduto da esquerda caviar carioca, NARA FRANCO

São Salvador é uma bucólica pracinha no meio de Laranjeiras que se tornou reduto da "esquerda caviar" carioca
Nara Franco , Rio | 11/08/2018 às 21:12
Praça São Salvador, Laranjeiras
Foto: NR
Uma das características mais típicas do carioca é beber em pé. Explico: primeiro escolhe-se um local. Uma praça, uma esquina com muitos bares, uma rua, uma mureta. Tem que ter cerveja. E um boteco bem boteco. O segundo passo é juntar um amigo, outro amigo, muitos amigos e voilá... cria-se um novo "point" na cidade. 

Baixo Leblon, Baixo Gávea, Baixo Tijuca, Baixo Jacarepaguá, Baixo Copa, Praça São Salvador, Praça Tiradentes, Pracinha da General Glicério, Rua do Lavradio, Rua Farme de Amoedo, Mureta da Urca. Todos esses locais, em dias e horários diferentes, reúnem música, cerveja e um vai e vem sem fim de pessoas. 

De onde veio esse hábito, não sei. Acho que de origem portuguesa, porque vi essa mesma cena no Centro de Lisboa. O que sei é que essa característica corrobora o fato de o Rio de Janeiro ser uma cidade democrática. Nesses locais, na rua, não há distinção de cor. 

O Baixo Leblon teve seu auge nos anos 80. Cazuza, Bebel Gilberto, Caetano Veloso eram figuras fáceis na Pizzaria Guanabara, que resiste até hoje como um refúgio para os boêmios famintos da noite carioca. O Baixo Gávea era o fervo dos anos 90 e essa que vos escreve ia lá dia sim e outro também. Até hoje é local de encontro com opções que vão do tradicional Hipódromo ao requintado Guimas. 

Mais recentemente surgiram outros locais. No último domingo estive na São Salvador, uma bucólica pracinha no meio de Laranjeiras que se tornou reduto da "esquerda caviar" carioca. Esquerda caviar é o nome que se dá aos moradores da Zona Sul simpatizantes do PT, PSOL, PCdoB e afins. No domingo, a praça tem chorinho a partir das 10h até às 14h. O público é acima de 40. As vezes bem acima dos 40. 

Gosto de observar o vai e vem de um pessoal que desbundou nos anos 70 e que hoje são senhores e senhoras de cabelo branco com adesivos "Lula Livre" no peito. Passeando com seus netos, tomando uma cerveja, curtindo a música improvisada, expondo nas barracas de artesanato. Talvez seja um último reduto hippie, que só perde em "bicho grilice" para Santa Teresa. 

Na São Salvador fazem campanha Marcelo Freixo e Tarcísio Motta, expoentes do PSOL. Era ali que Marielle Franco promovia debates. Conservadores, quando querem denegrir a imagem dos simpatizantes da esquerda, costumam dizer: " é aquele pessoal da São Salvador". 

Como a "pracinha" se tornou um reduto boêmio todos os dias, não sei. Não prestei atenção. Quando dei por mim, já era moda. E, claro, virei frequentadora. Tem agito o ano todo. Carnaval, verão, outono e inverno. 

E Copacabana? Temos aqui nossos baixos! Tem o Bunda de Fora, próximo ao posto 6. Tem o Boteco Bossa Nova, perto aqui de casa. Esse, no dia de música sertaneja (tem música ao vivo), lota. Tem o Sat's, no final de Copacabana, o melhor coração de galinha do mundo! 

Como estou cada vez menos da noite, prefiro mesmo o chorinho coroa da São Salvador, com suas crianças e cachorros, seu papo bicho-grilo e saudosismo dos anos 70. 

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E o debate? Cabo Daciolo roubou a cena. Para mim não foi surpresa. Daciolo foi um dos líderes da greve dos bombeiros que gerou uma das maiores crises do governo Cabral. Ele se tornou um calo do governador, que na época chamou os bombeiros de "vagabundos" após a depredação de um quartel. Daciolo entrou para a política pelo PSOL. Em algum momento virou evangélico e hoje quer expulsar Satanás do Planalto. Coisas que só o Rio de Janeiro pode fazer por você.