Cultura

SHOPPING BARRA, minha segunda casa há 30 anos, por TASSO FRANCO

Crônicas da cidade de um shopping que vi nascer e é uma especie de minha segunda casa
Tasso Franco , da redação em Salvador | 02/12/2017 às 08:55
Barra com novo visual e interligação com passarela até a igreja de Santa Terezinha
Foto: BJÁ
   Moro há 45 anos no Chame-Chame/Barra. Quando cheguei no Jardim Salvador, em 1972, os prédios eram geminados: Alfa, Beta e Gama. Logo se separaram. Fui morar no Beta, 404, adquirido com economias do jornalismo donde estava desde 1968, com 10 anos para pagar. O tempo voa, meu caro. Em 1982, tinha quitado. 

   Em 1971, formei-me na UFBA, jornalismo, e casei logo. Em 1972, já morando no Beta, em julho, nasceu minha filha Nara. O Chame-Chame era uma área de transição entre a Barra e a Graça, dois antigos bairros da cidade. Só agora, em 2017, o Chame-Chame virou bairro.

   Na época da Colônia, primórdios da cidade, antes de Tomé de Souza, o rei de Portugal, dom João III, conferiu sesmarias a portugueses pioneiros. Nesta parte da cidade havia um rio (dos Seixos) - encoberto no governo João Henrique - que foi o divisor das sesmarias de Diogo Álvares (Caramuru) e sua esposa Catharina Paraguaçu e Paulo Dias Adorno (genovês), seu genro, casado com Filipa. 

   Do lado do rio à montante, ou seja, em direção a capela de Nossa Senhora da Graça, ficava a sesmaria do Caramuru; e do lado do rio em direção ao mar (rumo a Ondina) a de Paulo Dias Adorno. Caramuru morreu primeiro do que Catrina e quando esta faleceu no final do século XVI passou a sesmaria para os beneditinos. Dizem que os monges prometeram o céu para ela.

   Então, a área do Shopping Barra, BomPreço, pista da Centenário em direção a Barra, bairro da Graça até a fonte da Catarina, já no Vale do Canela, era da familia Caramuru, depois dos beneditinos; e a parte do rio do outro lado, do Victória Center, onde eu morava no Beta, Parque São Paulo, Sabino Silva, Sabina, Morro do Gato, Ondina, de Paulo e Filipa Dias Adorno.

   Em, 1949, no governo do prefeito José Wanderley de Araújo Pinho, surge a primeira avenida de vale, a Centenário, projetada por Diógenes Rebouças, EPUCS (1948). Abriu-se, então, uma nova via paralela ao antigo Caminho do Conselho (Ladeira da Barra) nas comemorações dos 400 anos da cidade e área de expansão urbana. Vão surgir os primeiros prédios no entorno.

   Em 1972, a Centenário era também o autódromo da cidade. A arquibancada ficava, em maior número de espectadores, na encosta da rua Plínio Moscoso. A área onde está o Shopping Barra era um descampado onde exista um campo de bola e praticávamos nossos babas, as turmas do Chame-Chame, da Sabina, da Barra. 

   Na entrada da rua que se bifurcava para o Jardim Brasil se situava a banca de revista de Cirilo e na outra ponta a tenda Jaime, o qual com a familia comandava um bloco carnavalesco chamado "Ensopado de Tatu". Desfilei nele dois anos, mas, nunca comi o prometido tatu de ensopado. 

   Já havia na década final dos 1970 inicio dos anos 1980, o Victoria Center, o Paes Mendonça, uma farmácia na descida da Barão de Loreto, a padaria do Chame-Chame no largo, a feirinha ao lado do Victoria Center, o posto Luana com a borracharia de Pelé e a Igreja de Santa Terezinha. 

   As católicas fiéis do meu prédio e do Alfa e Gama iam para as missas aos domingos enfileiradas, perfurmadas, com suas bolsas a tiracolo, andando até a igreja, algo em torno de 300 metros. Não havia assaltos como nos dias atuais.

   Nós tínhamos uma outra área de laser para os babas, as fogueiras juninas, as quermeses, ao lado do Beta onde foi erguida uma sub-estação da Coelba e tudo o que precisávamos além do básico do básico, recorria-se ao comércio da Barra e suas áreas de serviços, a Avenida Sete ou ao nascente Iguatemi Shopping que era um luxo.

   Em 1983, eu tinha uma empesa de comunicação em assessoria de imprensa, instalada no Victoria Center, segundo andar, sala que pertencia a João Farjala, dono do posto de gasolina, e entre meus clientes estavam o Iguatemi e o Bahiano de Tênis. E empresas do Pólo de Camaçari, o top da época.

   Quando começaram a surgir as primeiras notas de que Euvaldo Luz (dono do terreno) e seu grupo iriam construir um shopping na Barra, exatamente em nosso campo de futebol, foi uma alegria imensa e ao mesmo tempo uma tristeza. Alegria porque traria para o bairro um centro comercial de porte; e tristeza porque acabaria nosso campo de babas. 

   Cirilo, dono da barraca ficou temeroso. E nos procurou e também o então politico Jutahy Magalhães, o qual morava no Chame-Chame e era seu cliente. Jaime também ficou preocupado. Mas, ambas barracas foram relocadas: a de Cirilo para o outro lado da Igreja de Santa Terezinha e a de Jaime para a Miguel Bournier.

   Em 1985/1986 foi um ano de correria enorme. Fui fazer a campanha de Waldir Pires, a governador. Primeiro em Brasília com a campanha "Previdência Deficit Zero", a partir do segundo semestre de 1985; e depois na Bahia, assim que foi lançada a campanha, em Jacobina, dia 2 de fevreiro 1986. O Shopping Barra começou a ser construido. Gerou uma expectativa enorme no nosso bairro e na Barra/Graça. 

   Terminada a campanha, em meados de 1987, antes de inaugurar o shopping fui morar em Londres e só voltei em 1988, abril. Quando retornei ao Beta, deixei o apartamento alugado a um primo, Bosco Paes, o Barra já estava funcionando (inaugurado em 16 de novembro de 1987) e a partir desse momento passou a ser uma segunda casa para mim e muitos moradores do Chame-Chame, Barra, Sabina, Calabar, Ondina e Graça. 

   Nós que não tínhamos quase nada no Chame-Chame, só a feirinha, a padaria, a fotótica de Sêo Antônio, a  lanchonete de dona Célia, o Panteras Bar e a floricultura da Barão, passamos a ter uma praça de alimentação, barbearia, lojas de todo tipo, área de serviço com Correios (este chegou depois), óticas, tabacaria, local para estacionar os nossos veiculos gratuitamente, cinemas, sorveterias, lojas de departamentos, uma maravilha. Melhor impossível. Abandonamos o Iguatemi. 

   E tem sido assim ao longo desses 30 anos últimos. O Barra era feioso por fora e bonito por dentro. Tinha umas pastilhas nas laterais que vez por outra se soltavam e ficavam aqueles buracos nas paredes. A decoração do Natal era medonha. Com a recente reforma e ampliação esse problema foi corrigido e ganhou um ar contemporâneo, com novas lojas, cinemas, restaurantes mais chiques e uma remodelada na velha praça de alimentação.

   Era uma curtição ir ao cinema no Barra antigo e eventualmente ficar ouvindo o som de músicas e de burburinhos na praça de alimentação. Tinha gente que gritava: "Fecha essa porta aí". Nem me lembro a primeira vez que cortei o cabelo por lá. Algo em torno de 30 anos e ainda hoje, salvo quando estou em Lauro de Freitas, no veraneio, é assim. 

   Hoje, o cinema no Barra, dia de semana, naquelas poltronas enormes é um prazer. Também contar quantos chopes já tomei no Kalifa saboreando seu quibe seria impossível anotar. Antes, tinha uma galera que tocava por lá, um trupetista muito bom. Óculos, só no Barra. Vanda me atende há 20 anos numa ótica do primeiro piso. Comecei com grau 0.75 e já estou no grau 3. É a vida. 

   Loteria só faço no Barra. Até vou reclamar, pois, nunca ganhei nada. Comprar uma TV, no Barra. Conheço todos os restaurantes do shopping e a tenda do Pierre, de café e bolos. A turma do Senadinho, eventualmente papeio com eles, em especial, Manoel Canário. Outros, já se foram. Sou cliente de Sêo Antônio das jóias há anos, ainda que compre pouco ou quase nada. É meu vizinho do Morro do Gato. Tá velhinho. 

   O Barra, portanto, segue como minha segunda casa. Quando meu segundo filho nasceu, em 1994, ainda no Beta, o Tassinho, agregamos um novo cliente ao Barra. Desde pequeno corta o cabelo com Vilmar e é viciado no Barra. 

   Agora, que também estou mais velho, contando o tempo que ainda me falta, de vez em quando falo com minha esposa para irmos morar em Lauro de Freitas, numa casa que temos em Vilas do Atlântico, e sabem o que ela responde: - Eu não. Lá não tem o Shopping Barra.