Cultura

SALVADOR tem a rua mais antiga do Brasil com nome errado, TASSO FRANCO

A Câmara de Salvador precisa fazer esse resgate histórico para o bem da cidade
Tasso Franco , da redação em Salvador | 15/08/2016 às 21:24
Rua Portas de Santa Luzia, desde Thomé de Souza, hoje, Chile. Um absurdo.
Foto: DIV
​   Em 17 de dezembro de 1548, o rei de Portugal, Dom João III, publicou o 'Regimento de Almeirim' considerada a Constituição Prévia do Brasil e determinou a instalação de um Governo Geral no Brasil sob o comando de Thomé de Souza, quase 50 anos depois do 'achado' da Terra da Santa Cruz por Pedro Álvares Cabral. 

   O Sistema de Capitanias Hereditárias dera resultados desalentadores, salvo em alguns e poucos territórios, e a Corte temendo que os franceses e holandeses ocupassem o Brasil decidiu instalar um governo central com toda a máquina administrativa e a construção de uma cidade fortaleza, no centro do território, na Baía de Todos os Santos.

   Thomé e sua armada, homens em armas, a burocracia, degregados, estrangeiros mercenários, artífices e um arquiteto mestre-de-obras Luis Dias chegaram a Baía, mais precisamente no porto natural de águas paradas em frente a Vila Velha do Pereira, povoamento construido no atual Porto da Barra pelo então donatário Francisco Pereira Coutinho, a partir de 1536, e ancoraram suas naus.

   A data da chegada foi 29 de março de 1549. O desembarque de Thomé deu-se em 31 de março temendo que pudesse ser flechado por tupinambás, desceu da nau capitânia Nossa Senhora da Conceição protegido por uma formação de homens portando lanças altas. 

   Em abril, época chuvosa, recebeu a visita de Diogo Álvares, o Caramuru, o qual morava nas cercanias e subiu o Caminho do Conselho (atual ladeira da Barra), tendo esse nome porque nessa local se situava a antiga casa do Conselho, da gestão Pereira, e chegou ao primeiro platô, onde havia uma capela e hoje está a Igreja de Nossa Senhora da Vitória.

   Daí, com o mestre-de-obras (arquiteto da época) Luis Dias à frente e os mapas em mãos, o desenho da fortaleza foi trazido de Portugal, seguiram adiante pelo atual corredor da Vitória, área de mata fechada até atingirem um local que deram o nome de Outeiro Grande, atual Campo Grande.

   Thomé gostou do local, amplo, arejado, ainda na mata, mas não havia uma boa linha de tiro em direção ao mar e ao Norte o campo era aberto, o que poderia ensejar um ataque dos nativos. O local foi reprovado.

   A comitiva seguiu em frente, encontrou uma aldeia de tupinambás no atual Passeio Público, mais adiante outra aldeia na atual Praça da Piedade, mais uma outra onde está o Mosteiro de São Bento, índios pacíficos, pobres e sem armas. E, finalmente, chegaram a um platô que consideraram ideal, onde é a atual Praça Municipal e/ou Thomé de Souza (praça do Elevador Lacerda) porque tinha uma excelente vista alta para o mar, daí poderiam ser colocados os canhões de defesa; e ao Oeste havia uma baixada com um rio, atual Baixa dos Sapateiros, quase inacessível; e ao Norte e ao Sul duas áreas estreitas que poderiam ser fechadas com portões.

   Em maio, Luis Dias levou todos seus homens em carpintaria, pedreiros, etc, para começar a construir a fortaleza.

   Luiz Walter Coelho Filho na mais detalhada obra sobre a construção da fortaleza lembra em seu livro "A Fortaleza do Salvador na Bahia de Todos os Santos" que o projeto era renascentista onde o medieval e o moderno se mesclam, com sentimentos gregos e romanos. Adverte o autor que a palavra fortaleza, no português quinhentista, significava cidade ou vila fortificada com ruas, igreja, praça, soldados e funcionários da Coroa. Com o tempo, a palavra fortaleza foi varrida do mapa ficando só cidade.

   Segundo os estudos de Walter, a obra da fortaleza Salvador tinha unidade e estilo. A obra de Vitrúvio (Marcos Vitrúvio Polião foi um arquiteto romano que viveu no século I a.C. e deixou como legado a obra "De Architectura", único tratado europeu do período greco-romano que chegou aos nossos dias) com aplicação da geometria e a escolha do local. 

   "A fortaleza de Salvador é a síntese evolutiva do conceito de cidade até o século XVI, uma conexão entre o mundo grego e romano", diz o autor.

   E, ainda hoje, quem vai ao centro, pode verificar essa concepção com a praça principal, a ladeira da Montanha, a Sé e as ruas da Misericórdia e Direita do Palácio, e as transversais na linha Oeste. Claro, com as devidas modificações que foram feitas ao longo dos anos. Mas, o básico está preservado. A vista para o mar, o local dos baluartes e a visão da Baixa dos Sapateiros.

   E o que vamos advogar neste artigo é que a Câmara Municipal de Salvador devolva à cidade o nome original da Rua Direita do Palácio (Rua da Porta de Santa Luzia), depois Rua dos Mercadores, hoje e desde 1902, Rua Chile.

   Isso é uma das coisas mais absurdas que existe na história da cidade. Como o IGHB é mudo e a Câmara pouco se importa com a história da cidade, a Prefeitura (a sede da Fundação Gregório de Mattos localiza-se aí) muito menos, está na hora dessa redenção.

   Olha como mudaram o nome da rua mais antiga do Brasil: 

   O jornalista Nelson Cadena conta: "Em 25 de julho de 1902, uma sexta feira, a Bahia recepcionou a marinha chilena, então uma das mais invejadas esquadras do mundo, com uma festa extraordinária, uma das maiores, senão a maior, que Salvador testemunhou em seus mais de 460 anos de história. 

   - O apogeu foi o desfile dos militares do país irmão pela Rua Direita do Palácio, que por decreto da Câmara Municipal, de 17/08/02, passava a ser denominada de Rua Chile em homenagem aos visitantes. No mesmo dia os edis aprovaram um crédito de 5 contos de reis para atender as despesas com os festejos.

   - Placas em mármore branco de 70 x 55 cm, confecionadas na oficina de Antônio Brito, com o escudo e bandeira do Chile gravadas em relevo, marcaram o batizado da rua que nasceu com o nome de Portas de Santa Luzia, ainda no Governo Thomé de Souza, no século XVII já se chamava  Rua dos Mercadores e mais tarde de Rua Direita do Palácio. As placas foram doadas pelo Jornal de Notícias, então redigido por Alfredo Requião, propriedade de Aloísio de Carvalho, folha de maior circulação na época.

   A recepção aos chilenos foi uma iniciativa de acadêmicos da Faculdade de Medicina que durantes meses se mobilizaram e articularam com a imprensa, comércio e os poderes públicos, a fantástica recepção aos militares;uma festa que teve seu ponto culminante na inauguração da rua na sua homenagem, mas que se extendeu por vários dias. 

   Era um gesto de reciprocidade com a carinhosa recepção a militares brasileiros no Cruzador Almirante Barroso, em 1899 e também tinha a ver com o translado dos corpos de diplomatas do Brasil falecidos no país irmão e as suas circunstâncias". 
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   Então, a rua mais antiga do Brasil, chama-se Portas de Santa Luzia e tem 467 anos de existência. Algum (a) vereador (a) desta cidade precisa apresentar um Projeto de Lei na Câmara Municipal retornando o nome antigo da rua Chile. 

   Só lembrando, em 2002, época em que Emmerson José era presidente da Câmara comemorou-se o centenário da Rua Chile. Foi uma das coisas mais bizarras que esta cidade presenciou. A rua já tinha 453 anos e comemorou o centenário. 

   Imagina! A cidade já tinha completado sem quadricentenário em 1949, 400 anos também da Portas de Santa Luzia, e a Câmara ganstando dinheiro em festejos dos 100 da Chile, em 2002.

   Está na hora da Câmara fazer essa reparação. A porta Norte, que ficava na (hoje) entrada da Sé chamava-se Santa Catharina e a Rua de Misericórdia, referência a Santa Casa de Misericórdia, mantém seu nome Misericórdia, de forma correta.

   A Câmara precisa estar sintomizada com a história da cidade. Sepultem a Rua Chile (com todo respeito) e devolvam à cidade a Rua das Portas de Santa Luzia.