Bahia

IFBA promove educação inclusiva e integradora através do esporte


Ao longo dos últimos três anos desde a criação dos JIFBA, os números mostram que o objetivo de ampliar e democratizar a participação dos atletas/alunos baianos vem sendo alcançada.
Da Redação , Bahia | 24/09/2018 às 09:04
gALERA DO ifba
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Sem uma prótese adequada para a prática esportiva, Lucas Deyner, de 17 anos, pratica o voleibol com o auxílio de uma muleta atada ao coto da perna direita, amputada após um atropelamento ocorrido quando ele tinha apenas cinco anos de idade.

"Foi uma honra imensa ter recebido a tocha das mãos do Pedro e acendido a pira", declara o aluno do segundo ano de eletromecânica do IFBA de Paulo Afonso, referindo-se à emocionante cerimônia de abertura dos JIFBA, realizada em agosto, em Simões Filho. Pedro Afonso, que entregou a tocha Lucas, aluno do campus de Ilhéus, também é amputado. 

Estudante do quarto ano de eletrônica do campus Salvador, Robson dos Santos Alves, 23, ficou com a terceira colocação no tênis de mesa e com o lugar mais alto do pódio na prova de jogos eletrônicos, modalidade Fifa Soccer. "Quando recebi a medalha de ouro, subi no pódio e vi todos aplaudindo na língua de sinais, fiquei muito emocionado", relata Robson, que é surdo e conta com o auxílio de uma intérprete de sinais para realizar os estudos.

Lucas, Pedro e Robson são apenas alguns dos exemplos do caráter inclusivo dos Jogos Integradores do Instituto Federal da Bahia, os JIFBA. "Se no meio deste processo nós conseguirmos formar atletas de alto rendimento ótimo, mas o objetivo dos Jogos não é esse.  Queremos promover a educação, a inclusão e a integração dos nossos estudantes", explica o reitor Renato da Anunciação Filho.

Ex-aluno e professor do IFBA, Renato conhece a luta de Lucas, Pedro, Robson e outros 120 alunos com deficiência física do IFBA contra as limitações impostas pelo preconceito e pelo próprio corpo ao longo de sua vida estudantil e acadêmica. Com uma atrofia na perna direita decorrente de paralisia infantil, o ex-aluno e ex-professor da instituição defende, no entanto, que para serem realmente integradores, os Jogos não podem ceder à lógica da segregação contida na divisão entre modalidades olímpicas e paraolímpicas.

CONDIÇÕES IDÊNTICAS

A alternativa a este modelo foi colocar atletas que não tem deficiência para disputar em condições idênticas às dos deficientes. A primeira experiência nesse sentido foi o jogo de basquete em cadeiras de rodas reunindo competidores com e sem deficiência, disputado nos JIFBA 2018. "A ideia é justamente chamar a atenção para a necessidade de se tratar as pessoas com deficiência de forma horizontal e não de cima pra baixo", justifica o reitor, que pretende replicar a experiência na próxima edição dos JIFBA com atletas videntes e cegos disputando juntos uma partida de futebol, todos vendados.  

O IFBA defende que estes conceitos sejam aplicados também à edição de 2019 da etapa nacional dos JIF, que será disputada em Salvador. "Sabemos que há uma resistência muito grande no Conselho Nacional (CONIF), mas insistimos quanto à importância de incorporar ao xadrez os jogos eletrônicos e o dominó para permitir a participação daqueles que não têm aptidão física para disputar outras modalidades", pontua Renato.

INTEGRAÇÃO

A prática esportiva enquanto instrumento de integração de uma instituição multicampi passou a ser viável a partir de meados de 2014, quando, na gestão de Aurina Oliveira Santana, o IFBA recebeu o aporte de R$ 27 milhões em recursos do MEC para construir e equipar ginásios poliesportivos em 12 campi.

No meio desse processo, já havia a reivindicação de muitos professores de educação física do interior para que seus alunos também pudessem representar o IFBA nos jogos regionais e nacionais, direito até então exclusivo aos estudantes do campus de Salvador.

Em 2015, em uma polêmica deliberação, o IFBA decidiu não participar dos JIF a fim de organizar uma seletiva capaz de incluir todos os campi da instituição: assim nasciam os JIFBA, um projeto construído a muitas mãos e que envolveu a participação de profissionais das mais diversas áreas do conhecimento, como pedagogos, psicólogos, assistentes sociais, e que teve na figura da chefe de comunicação e professora do curso de eventos Liz Rodrigues Cerqueira uma de suas maiores articuladoras.


"Saímos da condição de inexistência para construção de um evento esportivo democrático e amplo, e com foco em utilizar o esporte como bem cultural acessível a todos, independentemente da habilidade ou condição física", explica Micheli Venturini , chefe do Departamento de Ações de Cultura, Esporte e Lazer do IFBA, viculado à Pró-Reitoria de Extensão (Proex).

"Para nós esse projeto se tornou fundamental na perspectiva do fortalecimento da pratica esportiva no IFBA de Porto Seguro", atesta o professor de educação física Ricardo Rodrigues Mendes.

Ex-diretor do campus Porto Seguro, Ricardo relata que o processo de dotação de infraestrutura e mão-de-obra qualificada para a prática esportiva teve efeito direto na qualidade de vida dos alunos, que saíram do quase absoluto sedentarismo para abraçar as realizações de um professor acostumado a ir muito além de suas atribuições.

Ricardo criou juntamente com um aluno bolsista em tecnologia um placar eletrônico acoplado a uma TV (foto), investiu R$ 314 para criar um par de campainhas eletrônicas para pedidos de tempo e substituições no vôlei (no mercado um par desse equipamento não custa menos de R$ 2,5 mil) e utilizou restos de madeira das obras do ginásio para fazer mesas do tênis de mesa.

Mas a legado que ele relata com maior orgulho não é uma obra física e sim comportamental: o fair-play esportivo. "Criamos nos jogos que disputamos com os campus de Ilhéus e Jequié a cultura de o jogador se acusar quando a bola resvala no bloqueio dele. É a coisa mais linda do mundo ver o árbitro perguntando e o jogador confirmando aquele toque que tira o ponto do time dele. Não é que esse atleta não queira ganhar, é que ele quer ganhar com justiça", declarou.


Mesmo os alunos de Salvador, que perderam a exclusividade de representar a Bahia, passaram a ver muito mais benefícios que prejuízos com a criação dos JIFBA. Julia Polena Costa, 19, aluna do quarto ano de edificação na capital, participou das três edições dos JIFBA. "De uma competição para quem a gente estava revendo não eram adversários, mas amigos. A prova disso foi que duas semanas depois da última edição a nossa equipe de handebol estava viajando pra Jacobina a convite das meninas do time de handebol de lá", exemplifica.

EDUCAÇÃO Um dos preconceitos que ainda paira sobre a atividade esportiva é a de que ela suga as forças que o aluno precisa para poder realizar os estudos. Embora reconheçam que treinar e competir exige tempo e dedicação já escassos para quem estuda em uma instituição federal profissionalizante conhecida pelo alto nível de exigência, nenhum dos alunos entrevistados admite que uma coisa atrapalhe a outra. "Pelo contrário, eu acho que se não fosse o esporte seria mais pesado", garante Julia. "Quando nós treinamos, competimos e viajamos juntas, criamos uma intimidade que é propícia também pra tirar dúvidas de outras disciplinas. Afinal, ninguém tira duvida com quem não tem intimidade", argumenta.

Segundo Micheli Venturini, o esporte não deve e nem pode atrapalhar o desempenho acadêmico dos estudantes. "Uma das condições para o aluno poder representar a instituição nos Jogos é ter no mínimo a média exigida pelo IFBA, que é a nota 6. Quem não estiver nessas condições, não pode competir".

DESEMPENHO

Ao longo dos últimos três anos desde a criação dos JIFBA, os números mostram que o objetivo de ampliar e democratizar a participação dos atletas/alunos baianos vem sendo alcançada.
Se em 2014, quando apenas os estudantes de Salvador representavam a instituição, a Bahia enviou 70 atletas aos JIF, para disputar 6 modalidades e conquistar cinco lugares no pódio, em 2018 a Bahia enviou a Natal 155 atletas de 17 campi, que participaram das 11 modalidades existentes e subiram ao pódio 19 vezes.

Os 7 alunos medalhistas de ouro em Natal irão representar o IFBA na etapa nacional dos Jogos dos institutos Federais, que será realizada em outubro, no Ceará. A corredora Maria Luiza Marques foi recordista nos 200m feminino, com o tempo de 26seg9. O judô terá quatro representantes: Luanderson Santos Neres (Super Ligeiro), Reinam Carneiro (Meio Leve), Fernando Viana (Leve) e Gabriel Régis (Meio Médio).


Na natação, Felipe Lemos da Rocha disputará os 50m livre e Kelvin dos Santos Lima Cruz, os 200m livre."Pratico natação desde os 5 anos de idade, mas esta foi a primeira vez que eu saí da Bahia pra participar de uma competição oficial", relata Felipe, 16, aluno de informática no campus de Jequié, que além do ouro nos 50m, faturou a prata nos 100m livre e o bronze nos 50m borboleta e no revezamento 4x100m, tornando-se o recordista recordista de medalhas da delegação baiana.

O projeto de educação, inclusão e integração pelo esporte entra na sua fase de maturação e o desempenho já poderá começar a ser avaliado a partir de 2019, quando completa quatro anos de sua implantação. Mas os resultados que se esperavam já estão sendo alcançados.

"Falar em medalhas é importante, mas muito menos importante diante de um trabalho com foco no que o esporte estava podendo fazer pela vida dos estudantes, ensinando disciplina, dignidade, responsabilidade, concentração, foco, dentre tantos outros valores que verdadeiramente importam na vida de um humano", conclui Micheli Venturini.