A CULPA É DOS BRANCOS: Viagem a Trinidad-Tobago

Fernando Conceição
13/09/2017 às 08:59
EM TRINIDAD AND TOBAGO (TT) passei o Natal de 2006. Com uma amiga alemã – hoje pesquisadora médica em hospital universitário de Köln, Deutschland.

A gente havia se conhecido aleatoriamente dois anos antes. No México! Onde estive palestrando em universidades a partir de indicação do embaixador Paulo Cordeiro, então ali diplomata da delegação brasileira. Ela, estudante, se voluntariava em clínicas de assistência aos pobres.

Um professor da University of Maryland em Baltimore, U.S., Dr. Acklyn Lynch, foi quem primeiro me instigou a visitar Trinidad and Tobago, onde nasceu.

Falou feliz da riqueza musical do país localizado no mar do Caribe, ao nordeste da Venezuela. Da rítmica onde, aqui mesmo no Brasil, bebe um Carlinhos Brown sem pagar royalties.

Do seu Carnaval, tido por “O melhor do mundo” – engana-se, para o professor Lynch, quem pensa ser o brasileiro.  Isso foi numa conversa que tivemos, veja você, em novembro de 1994!

Graças a uma bolsa da Fulbright Commission, à época mestrando na ECA-USP, fazia a primeira viagem de intercâ

Minha amiga estudante de medicina em Berlin e eu resolvemos ir em 2006 a TT primeiramente conhecendo a Venezuela. Percebemos no desembarque em Caracas, vindos de São Paulo, que o país fora sitiado pelo Exército.

Então presidente eleito, Hugo Chávez endureceu o regime. Depois do fracassado golpe de Estado com o qual a oposição tentara derrubá-lo em 2002, instituiu a “revolução socialista bolivariana”.

Ruas e avenidas citadinas, assim como as estradas intermunicipais, estavam tomadas por barreiras das Forças Armadas chavistas. Que importunavam as pessoas, tal qual acontece aqui na cidade de Salvador, Bahia, Brasil, com as frequentes blitzes policiais.

Em vans lotadas, com paradas várias e trocas, seguimos por estradas ao extremo oriente venezuelano, rumo ao porto de Guiria.

Saímos de Caracas às seis da manhã, chegamos em Guiria em torno de oito da noite. Nos hospedamos num hotelzinho propriedade de uma família portuguesa ali radicada fazia décadas, pelo que a matriarca nos contou.

Dali partia um barco de passageiros, todas as quartas-feiras, por volta do meio-dia, rumo a Port of Spain, a capital, localizada na ilha de Trinidad.

Escurecia quando o barco decolou, singrando o oceano bravo. De alto-falantes o tempo todo tocando zouk em último volume, um animado grupo de secundatistas trindadenses se divertia, enquanto as ondas e o vento frio invadiam a proa da embarcação.Fato é que passamos pela alfândega depois da meia-noite. Por não haver serviço legalizado de táxi, tampouco Uber existia, saímos daqueles ermos em veículo particular compartilhado com outros visitantes, rumo à zona urbana de Port of Spain.

O destino era uma guest-house que havíamos encontrado pela internet. Sem referências como agora, o motorista chegou a uma localidade que, dava para ver mesmo àquela hora da noite, parecia ter sido bombardeada. Escuridão quase absoluta, vez que energia elétrica e iluminação pública são mercadorias racionadas na ilha.

Chamou-se pelo nome da hospedeira, que saiu para receber o casal e entramos todos – ela gritando alguns nomes. Nos levou onde seria nosso quarto de hóspedes, de onde saiu pela porta uma menina adolescente recém-acordada às pressas, para dar lugar na cama aos pagantes.

Mochilas no chão, minha amiga e eu queríamos procurar um lugar aberto qualquer para engolir alguma coisa: não almoçamos nem jantamos desde o dia anterior.

Àquela hora, informaram, o único lugar aberto era a lanchonete da rede KFC, na Independence Square. Como não havia transporte, tínhamos de caminhar até lá. O namorado da dona da casa se dispôs a nos guiar, saindo e entrando em becos até uma avenida também mal iluminada. Passamos por mendigos e trapos humanos largados no chão.

Todos negros, que são a população majoritária do país de possessão britânica, holandesa, depois do domínio espanhol. Andamos por meia hora e chegamos a downtown Trinidad. Repleto de gente se movimentando de um lado a outro, automóveis buzinando, um burburinho fora do comum, como se dia fosse até pelas luzes e refletores.

Seguranças pediam credenciais na entrada da KFC: pela primeira vez na vida provamos do frango frito dessa franquia do Kentucky, tão adorada pelos afro-americanos dos Estados Unidos.

Depois de comer ainda procuramos por perto uma cerveja gelada.O acompanhante nos levou a um lugar que era totalmente gradeado, com o atendente recebendo o pagamento antecipado. Notável a queloide estufada que se mostrava de um lado a outro do pescoço dele.

No dia seguinte mudamos para uma hospedaria menos deprimente, um hotelzinho qualquer. A seguir pegamos um ônibus até San Fernando, cidade histórica e ex-capital, mais ao sul. O aspecto era melhor que o de Port of Spain, estando ali uma população majoritariamente indiana – trazida ao país durante o domínio britânico na Índia.

Ex-colonizadores e plenipotenciários indianos dominam a economia, os negócios, o dinheiro – embora o gabinete governamental tivesse um negro como Primeiro Ministro.

Papiamento é a língua”crioula” dos “nativos”: uma criação mista do espanhol, holandês, do português antigo.
Pegamos uma balsa ao paraíso do turismo europeu, Scarborough, o principal distrito de Tobago, a ilha menor. Alguns dos mais exclusivos resorts caribenhos estão ali, servidos por um aeroporto de vôos charter que passam longe da visão da miséria trindadense.

Tobago tem florestas e parques conservados, o ar saudável. A noite mesma de Natal passamos aí, numa guest-house muito melhor e privativa, de uma família negra de classe média.

Pagamento em Dólar-TT, a moeda do país, evidentemente com câmbio não paritário ao dólar americano do qual vem a inspiração.

Naqueles feriados natalinos de 2006, o parlamento havia aprovado o retorno da pena de morte por enforcamento.
O enforcamento sempre foi apavorante para os serviçais transplantados pela Coroa Britânica. Que o instituiu e o havia abolido décadas atrás.

Trinidad and Tobago ostentava, globalmente falando, as maiores taxas de sequestros seguidos de assassinatos das vítimas, por extorsão. No período, tinha ultrapassado os índice da Colômbia, mergulhada nos conflitos das guerrilhas e milícias clandestinas.

Regressamos a Guiria a tempo de passar o aniversário de vinte e poucos anos de minha amiga. E, por caminhos outros, a Caracas para testemunhar seu Réveillon.