As empresas de transporte do Rio e relações com politica

Nara Franco
23/08/2017 às 17:16
O sistema de Transportes do Rio de Janeiro é um Caixa de Pandora. O medo de abri-la é tão grande, que poucos políticos cariocas ousaram a tocar no assunto durante campanhas eleitorais e em seus mandatos. Governar sem o apoio das empresas de ônibus e da Fetranspor é como remar contra a maré em dia de forte tempestade. 

O vespeiro chamado "transporte" sempre deu dor de cabeça. Principalmente para quem utiliza o sistema. Em 1985, o então governador Leonel Brizola anunciou o encampamento de 1.817 ônibus no estado, desapropriando 16 empresas. O objetivo era fazer uma auditoria nas empresas por fiscais da Secretaria de Transporte. A ideia era oferecer uma tarifa mais justa e um serviço de melhor qualidade. A iniciativa de Brizola, contudo, nunca deixou de ser uma ideia. Com Assembleia Legislativa no bolso e muito poder nas mãos, os empresários de ônibus mandam e desmandam no ir e vir da cidade.  

As empresas de ônibus do Rio operam como um cartel. Oferecem um serviço péssimo e sempre conseguem o que querem. Um exemplo disso é a questão do ar-condicionado. O ex-prefeito Eduardo Paes negociou, a Justiça mandou e até hoje a frota dos coletivos não está climatizada. O atual prefeito já bateu pé, congelou o aumento da tarifa e nada muda. Os empresário só fazem o que querem. 

E Jacob Barata Filho é o líder dessa espécie de máfia. É conhecido como "Rei dos Ônibus". Dono de uma frota de 6 mil veículos, o empresário é figura de poucas aparições públicas e forte atuação nos bastidores. Filho do banqueiro e empresário Jacob Barata, herdou o negócio de seu pai, que foi dono de um conglomerado de empresas no Rio de Janeiro e em outros estados com mais de 4.000 veículos. O faturamento do sistema rodoviário do Rio é estimado em R$ 2 bilhões. 

A chegada de Jacob pai ao Rio aconteceu na década de 50, quando ele veio do Pará atrás de novas oportunidades. Aos 18 anos, já era dono de uma lotação em Madureira, subúrbio carioca. Desde então, o grupo vem ganhando musculatura não só no ramo dos transportes. A família controla 60 companhias, entre elas um hospital, um banco e uma rede de hotéis em Portugal. Um dos poucos fracassos foi a companhia aérea WebJet, tentativa frustrada de imitar a família Constantino. 

Outro ramo do clã, fundado pelo irmão de Jacob, Samuel Barata, é a a maior rede de farmácias do Rio, a Drogarias Pacheco, com faturamento de 1 bilhão de reais. Aos amigos, Samuel gosta de dizer que, dos dois, ele é o irmão  mais pobre. “Rico mesmo é o Jacob”, diz.

Não é o número de carros que faz de Jacob dono de uma fortuna incalculável, mas sim a distribuição das linhas. Elas são abundantes na Zona Sul e escassas na Zona Oeste. Paga-se R$ 3,80 na passagem em ônibus caindo aos pedaços, sem nenhum tipo de controle de velocidade e, muitas vezes abarrotados. Alterar esse sistema só foi possível com a implantação dos chamados corredores viários e do BRT, que por sinal e é um consórcio de empresas do Rio de Janeiro, muitas pertencentes aos mesmos empresários que operam as linhas "normais". 

Jacob foi preso na Operação Lava Jato acusado de pagar propina a políticos. Foi pego no Aeroporto embarcando para Lisboa, onde também tem negócios. Sua família já estava na capital portuguesa e tudo indica que ele escaparia da polícia. Recentemente foi solto pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. 

O magistrado foi padrinho de casamento da neta de Jacob Barata, Beatriz Barata. A cerimônia, realizada em 2013, contou com uma cena inusitada: um grupo de manifestantes acompanhou os convidados da igreja ao Copacabana Palace, onde aconteceu a recepção. Da sacada do luxuoso hotel, Daniel Barata, sobrinho de Jacob Barata Filho, atirou um cinzeiro nos manifestantes, acertando em cheio a cabeça de um jovem, que ficou ferido e foi atendido em uma Unida de Pronto Atendimento (UPA). O fato teve grande repercussão na imprensa carioca. Afinal, estavam lá o governador Cabral, o prefeito Paes, uma dezena de deputados federais e estaduais, ministros, juízes, desembargadores, empresários etc. Foram mais de mil convidados no Golden Room de um dos hotéis mais caros do mundo. O cantor Latino animou a noite. A família pediu desculpas ao jovem ferido via redes sociais. 

Gilmar pode até dizer que não há ligação entre ele e Barata, mas ninguém escolhe para padrinho de casamento da neta um desconhecido, por mais importante que seja. Nem a neta e muito menos o avô. Por meio de nota, a assessoria de Gilmar Mendes afirmou que o "encontro só se deu no dia do casamento". Que tipo de pessoa apadrinha o matrimônio de um casal que sequer conhece?

“Vocês [jornalistas] acham que ser padrinho de casamento impede alguém de julgar um caso? Vocês acham que isso é relação íntima como a lei diz?”, afirmou o magistrado, durante uma palestra. Eu acho. Que não fosse pela lei, mas pela ética. Porque nem sempre temos que fazer o que manda os livros. A mulher de Gilmar Mendes atua em um escritório de advocacia que advoga para a família Barata. O cunhado de Gilmar Mendes é sócio de Jacob Barata, que por sua vez patrocinou entidade presidida por Gilmar. 

As relações podem não ser íntimas, mas existem. Se existem, impedem um julgamento imparcial. Não precisa ser Juiz para saber disso.