DOIS DEDOS de prosa com a professora Consuelo Pondé

Tasso Franco
15/05/2015 às 11:06
 A professora e historiadora Consuelo Pondé de Sena, 81 anos, presidente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB) falecida nesta quinta-feira, 14, era uma unanimidade. 

   Como se diz no popular, 'falava na tampa'. Era intransigente, dura, até radical quando falava da cultura baiana. Uma das raras tupinólogas ainda existentes no Estado, herdeira dos ensinamentos do professor Frederico Edelweiss, tratava o IGHB como sua própria casa.

   Alias, vivia mais no Instituto do que no seu apartamento da Princesa Izabel. Quando o assunto era Independência da Bahia era a primeira a chegar na Lapinha onde fazia a oração de praxe na abertura do desfile cívico, vestida de verde, a cor matriz da bandeira nacional; ou de amarelo, o ouro das nossas Gerais, e tecia elogios aos heróis da independência. 

   Aí daquele que a contestasse. Certa feita disse-lhe: - Tenho vontade de escrever sobre a verdadeira história da independência da Bahia, ainda mal contada, com heróis fajutos. 

   - Um povo não pode viver sem seus heróis, quer sejam eles de grande ou pequena dimensão. E nós temos que reverenciar os nossos heróis com todo louvor - respondeu-me na lata.

    Foi nossa professora no antigo curso de Jornalismo da UFBA na antiga Faculdade de Filosofia de Nazaré e manteve conosco - os formandos de várias gerações - uma forte amizade. 

   Certa ocasião levou-nos até o seu apartamento, a turma de 1971, para um jantar. E lá estava ela com um vestidão longo estampado - gostava dos modelos amadianos - cheia de alegria, a nos brindar a contar momentos da passado da gloriosa UFBA.

   Nós, também já velhinhos, só a tratávamos de professora. Nada de chama-la de Consuelo. Era um respeito de tirar o chapéu.

   Quando fui secretário de Comunicação da Prefeitura de Salvador, entre 1997/2004, 'sofri o diabo que o pão amassou' - no bom sentido - com seus pedidos de socorro ao IGBH. 

   - Tasso, pelo amor de Deus fale com o prefeito Imbassahy pra mandar alguem aqui urgente que a água entrou pelo telhado e está molhando as coleções de jornais antigos. 

   Lá ia uma equipe de Covas resolver a parada. 

    Fazia isso com frequência, sem pejo, sem vergonha, como pedia ajuda para informatizar o IGHB, para retirar os camelôs que colocavam mercadorias no gradil em torno da sede do IGHB na Av Sete, apoios para eventos nem que fosse a impressão de um convite, recomendava que a decoração ao 2 de Julho fosse bonita e vistosa, tudo isso por amor a Casa da Bahia.

   Tinha uma admiração profunda por Jorge Calmon. Ninguém falasse mal do jornalista na vista dela que recebia uma resposta na hora. Em A Tarde colaborou durante muitos anos e ficou sentida quando houve uma reforma no jornal e excluiram-na como colaborada. 

   Se detestava algumas pessoas e engolia a seco. Ela uma figura explosiva, porém, educada, contida, respeitosa. Achava, que a cultura ancestral portuguesa na Bahia estava sendo desprezada, atropelada por outros valores sem a dimensão histórica merecida.

   Como sou sócio do IGHB há mais de 20 anos, eventualmente, ia ao seu gabinete para prosar. Certa feita sentamos na 'prosadeira', uma cadeira de palhinha com encosto conerso onde três pessoas podem prosar e ainda há um local para se colocar o vaso com sequilos. 

   - Venha aqui que estou com saudade de você - dizia-me pelo telefone. - Tem sequilos, respondia.
E lá ia eu conversar com ela. - Hoje vou lhe dar uns livros. E oferecia-me livros autografados. Eu também levava os meus para ela. Nunca perdeu lançamentos dos meus livros. O único que não foi pediu mil desculpas.

   Quando ficou adoentado todos sentimos sua falta no Instituto. No lançamento do livro de Cristovão de Ávila, Os Brasões de Armas de Catarina Paraguaçu, final do ano passado ela não apareceu. 

   Já estava adoentada. Ainda consegui falar com ela pelo telefone algumas vezes. Depois, só ficavamos sabendo do seu estado de saúde pelo Facebook. Era sincera demais: - Hoje, não amanheci bem, sinto-me fraca, sem forças. Presentia a morte.

   Ninguém teve coragem de substitui-la na direção do Instituto antes dela falecer. Foi uma honra para todos saber que ela se vai como a presidente da Casa de Cultura da Bahia.