A Carne é fraca e a lavagem do Bonfim

Egnaldo Araújo
16/01/2015 às 21:11
Mulato de seus 70 anos, chapéu de palha na cabeça, Lá estava ele sentado naquele ônibus lotado vindo da baixa do Bonfim repleto de pagadores de promessas e tantas outras pessoas que ali foram para curtirem a lavagem das escadarias da igreja do Bonfim pelas baianas paramentadas com suas ricas prendas, a espalharem água de cheiro por todo lado, tudo isso ao som dos atabaques dos grupos de capoeiristas, ao lado de políticos a darem adeusinhos para os circunstantes. Eu estive lá nas escadarias e roguei muito mesmo pela Paz naquela multidão de fiéis. 

O papo começou quando uma baiana da bunda grande tentou  chegar até  à frente do coletivo para encontrar melhor posição para saltar na parada do Largo do Tanque, o que a muito custo conseguiu, sem antes criar o maior rebu entre os passageiros que se espremiam  adoidado para que a matrona bunduda atravessasse aquele mundão de braços, pernas, sacolas e tudo o que era bugingangas, mães com crianças de todas as idades, causando o maior arerê no carro que tinha ponto final no Iguatemi, após passar por vários bairros. Afinal aquele era um dia diferente dos outros em que os coletivos tiveram que mudar suas rotas e fazerem os maiores desvios para atenderem à população.
Apesar da sua face enrrugada o seo Zé carpinteiro, nos seus 70 e poucos anos, sentado ao seu lado, observava que ele se mantinha interessado em tudo o que se passava à sua volta, quanto então lhe perguntei: “E aí estais gostando da festa da lavagem deste ano? E o mesmo,sem demonstrar grande entusiasmo, disse:

 “Para mim, não faz diferença alguma, pois entra ano e sai ano e tudo acontece da mesma forma, venho apenas para cumprir uma tradição que já tenho desde a minha juventude”.. e contou que tinha como profissão carpinteiro, porém por muitos anos trabalhou como magarefe, açougueiro no matadouro do Retiro, onde a cada dia seu grupo tinha que esfolar cerca de 30 bois. 
Aquilo ali é o que era verdadeira batalha, de derrubar o bicho com uma marretada na cabeça,chopar o animal e ver o sangue escorrer aos borbotões, para à seguir  coloca-los nos ganchos,  tirar-lhes o couro sem estragar a peça (que iria para o curtume) e, de imediato, esquarteja-los para que os ajudantes os colocassem nos caminhões para distribuição nos açougues de Salvador. O matadouro do Retiro era muito afastado do centro da cidade, era necessário fazer verdadeira viagem de bonde, por dentre os encharcados que permeava toda a região, irrigada pelo rio das tripas, que jogava suas águas naqueles baixios entre o bairro do IAPI, Cabula, e Rótula do Abacaxi.

“Meu caro amigo, o que nós passamos para viver é muita história, eu só sei, que a carne é fraca meu velho”., nada dessas festanças duram muito nas nossas vidas., quando se está novo, tudo bem, é só alegria, contudo quando a idade vai chegando, o corpo vai se quebrando, e assim babau”;e pediu licença e foi saltando no ponto do mercado das Sete Portas, onde iria fazer sua feira...